John Locke e o individualismo liberal. |
O século XVII na Inglaterra foi marcado pelo antagonismo entre a Coroa e o Parlamento, controlado, respectivamente, pela dinastia Stuart, defensora do absolutismo, e a burguesia ascendente, partidária do Liberalismo. Locke nasceu em 1632 no seio de uma família burguesa da cidade de Bristol. Em 1666 após se forma em medicina pela universidade de Oxford foi requisitado como médico e conselheiro do lorde Shaftesbury, esse lorde foi um destacado politico liberal, na qual obviamente era opositor do Rei Carlo II que pretendia a todo custo estabiliza a monarquia absoluta na Inglaterra. O fato de Locke ter nascido em uma família burguesa e ter sido conselheiro de um notório politico representante do parlamento com ideias liberais, influencio bastante o seu modo de pensar e fazer politica.
Além de defensor da liberdade e da tolerância religiosa, Locker é considerado o fundador do empirismo, posteriormente seguida por mais dois empiristas britânico; George Berkeley e David Hume, doutrina segundo a qual todo o conhecimento e todos os fundamentos de nossas escolhas e posições deriva da experiências que o individuo tem durante a vida. Locker é conhecido pela teoria da tábula rasa do conhecimento, onde afirma que nossa mente é um papel branco, que vai sendo escrito aos poucos conforme a experiência que o individuo tem com o mundo. A teoria da tábula rasa é, portanto, uma critica à doutrina das ideias inatas, formulada por Platão e retomada por Descartes, teoria na qual argumenta que determinadas ideias, princípios e noções são inerentes ao conhecimento humano e existem independentemente da experiência.
Os dois tratados sobre o governo civil
Bem, o que mais me interessa aqui é
a respeito do dois “Tratados sobre o Governo Civil”, pelo quais foram
publicados após o triunfo do parlamento sobre a autoridade suprema do Rei
Inglês, em suma as teorias de Locker foram bastante importante para a
fundamentação da ‘’Revolução Gloriosa”
após os conflitos entre o parlamento e a monarquia absolutista.
O primeiro tratado é uma refutação
do ‘’Patriarca’’, obra em que Robert Filmer defende o direito divino dos reis
com base no principio da autoridade paterna , na qual Adão supostamente o
primeiro pai e o primeiro rei legará sua descendência ao reis da Inglaterra,
onde de acordo com essa doutrina, os monarcas na época seriam descendentes da linhagem de Adão e
herdeiros legítimos da autoridade a quem Deus supostamente outorgou o poder
real. Locker elabora uma excelente refurtação a essas ideias, procurando
destituir a autoridade divina do rei, e colocando suas obrigação de
legitimidade e legalidade na realidade, para só assim elabora seu segundo
tratado na qual propõe um estado de natureza e uma fundamentação na qual o
soberano possui obrigações perante o povo.
Locker é um dos principais representantes
do Jusnaturalismo ou teoria dos direitos naturais, na qual partem de um suposto
estado de natureza, que pela mediação de um contrato social, realiza a passagem
para o estado civil. A doutrina de Locker fica em oposição a tradicional
doutrina aristotélica, segundo a qual a sociedade precede ao individuo, em
linhas mais gerais essa doutrina relata que desde que existe o individuo,
existe a sociedade.
Esse estado de natureza, pré-social
e pré-político, segundo Locker era uma situação real e historicamente
determinada pela qual passara, ainda que em épocas diversas, a maior parte da
humanidade e na qual se encontravam ainda alguns povos, como as tribos
norte-americanas, porém esse estado de natureza difere do estado de guerra
Hobbesiano (no qual havia guerra a todo momento, devido a insegurança e
violência), ou seja o estado de natureza Lockeano é um estado de relativa paz,
concórdia e harmonia.
A teoria da propriedade.
Antes de entrarmos na teoria do
contrato social, é muito importantes intender a função da propriedade para
Locker, a fundamentação da propriedade é o cerne de sua teoria politica, ideias
muitos importante para a classe burguesa da qual Locker vem, assim como para as
ideias liberais defendidas pelos parlamentares. É importante ressaltar que para
Hobbes a propriedade inexiste no estado de natureza, ou seja a propriedade é
fruto do contrato social, ela passa a existir após a formação da sociedade
civil, sendo ela fruto do Estado, e como o Estado possibilitou a criação da
propriedade ele tem o direito de suprimir a propriedade do seus
súditos/povo. Para Locker, ao contrario
de Hobbes, a propriedade já existe no estado de natureza e, sendo uma
instituição anterior à sociedade é um direito natural do individuo que não pode
ser violado pelo Estado.
O homem era naturalmente livre e
proprietário de sua pessoa e de seu trabalho. Como a terra fora dada por Deus
em comum a todos os homens, ao incorporar seu trabalho a matéria bruta que se
encontrava em estado natural o homem tornava-a sua propriedade privada,
estabelecendo sobre ela um direito próprio do qual estavam excluídos todos os
outros homens, o trabalho era, pois na concepção de Locke, o fundamento
originário da propriedade. Com o dinheiro surgiu o comercio e também uma nova
forma de aquisição da propriedade, que, além de trabalho, poderia ser adquirida
pela compra. O uso da moeda levou, finalmente, à concentração da riqueza e a
distribuição desigual dos bens entre os homens. Esse foi para Locker, o
processo que determinou a passagem da propriedade limitada, baseada no
trabalho, à propriedade ilimitada, fundada na acumulação possibilitada pelo
advento do dinheiro. Em suma a concepção de Locker, segundo a qual ‘’é na
realidade o trabalho que provoca a diferença
de valor em tudo o que existe pode ser considerada em certa medida, como
precursora da teoria do valor-trabalho, desenvolvida por Smith e Ricardo,
economistas do liberalismo clássico.
O contrato social
O Estado da natureza, relativamente
pacifico, não esta isento de inconvenientes como a violação da propriedade
(vida, liberdade e bens) que, na falta de lei estabelecida, de juiz imparcial e
de força coercitiva para impor a execução das sentenças, coloca os indivíduos
singulares em estado de guerra uns contra os outros. É a necessidade de superar
esses inconvenientes que, segundo Locker, leva os homens a se unirem e
estabelecerem livremente entre si o contrato social, que realiza a passagem do
estado de natureza para a sociedade politica ou civil.
Esta é formada por um corpo
politico único, dotado de legislação, de judicatura e da força concentrada da
comunidade. Seu objetivo precípuo é a preservação da propriedade e a proteção
da comunidade tanto dos perigos internos quanto das invasões estrangeiras. Para Locker, o contrato social é um pacto de
consentimento em que os homens concordam livremente em forma a sociedade civil
para preservar e consolidar ainda mais os direitos que possuíam originalmente
no estado de natureza. No estado civil os direitos naturais inalienáveis do ser
humano à vida, à liberdade e aos bens estão melhor protegidos sob o amparo da
lei, do arbítrio e da força comum de um corpo politico unitário. Na concepção de Locker, qualquer que seja o
governo executivo (monarquia, oligarquia ou a democracia) não possui outra finalidade
além da conservação da propriedade.
Após definida a forma de governo,
cabe igualmente à maioria escolher o poder legislativo, conferindo-lhe uma
superioridade sobre os demais poderes. Assim existe uma clara separação entre o
poder legislativo, de um lado, e os poderes executivos e federativos
(embaixadas, relações internacionais). Em suma, o livre consentimento dos
indivíduos para o estabelecimento da sociedade, o livre consentimento da
comunidade para a formação do governo, a proteção dos direitos de propriedade
pelo governo, o controle do executivo pelo legislativo e o controle do governo
pela sociedade, são, para Locker, os principais fundamentos do estado civil
pelo contrato social.
O direito a resistência e a revolução.
No que diz respeito às relações
entre o governo e a sociedade, Locker afirma que, quando o executivo e o
legislativo violam a lei estabelecida e atentam contra a propriedade, o governo
deixa de cumprir o fim a que fora destinado, tornando-se ilegal e degenerados
em tirania. O que define a tirania é o exercício do poder para além do direito,
visando o interesse próprio e não o bem público
ou comum. Com efeito, a violação deliberada e sistemática da propriedade
(vida, liberdade e bens) e o uso continuo da força sem amparo legal colocam o
governo em estado de guerra contra a sociedade e os governantes em rebelião
contra os governados, conferindo ao povo o legitimo direito de resistência à
opressão e à tirania. O estado de guerra imposto ao povo pelo governo configura
a dissolução do estado civil e o retorno do estado de natureza, onde a
inexistência de um arbítrio comum faz de Deus o único juiz, expressão utilizada
por Locker para indicar que, esgotadas todas as alternativas, o impasse só pode
ser decidido pela força.
Segundo Locker, a doutrina da
legitimidade dar resistência ao exercício ilegal do poder reconhecido pelo
povo, e quando este não tem outro recurso ou a quem apelar para sua proteção,
há o direito de recorrer a força para a deposição do governo rebelde. O Direito
do povo à resistência é legitimo tanto para defender-se da opressão de um
governo tirânico como para libertar-se do domínio de uma nação estrangeira.
Conclusão
Os direitos naturais inalienáveis do individuo à vida, à liberdade e a propriedade constituem para Locker o cerne do estado civil e ele é considerado por isso o pai do individualismo liberal. Norberto Bobbio, resumindo os aspectos mais relevantes do pensamento lockiano, afirma: ‘’através dos princípios de um direito natural preexistente ao Estado, de um estado baseado no consenso, de subordinação do poder executivo ao legislativo, de um poder limitado, de direito de resistência, Locker expos diretrizes fundamentais do Estado Liberal.”
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