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sábado, 17 de agosto de 2013

Edmund Burke: Conservadorismo Moderno



Pensador e político inglês do século XVIII, Edmund Burke é considerado o fundador do conservadorismo moderno. Tal atributo lhe foi imputado, mais, em virtude de suas formulações teóricas nascidas de seu ataque ferrenho aos revolucionários franceses e seus defensores na Inglaterra, o que o levou à posição de primeiro grande crítico da Revolução Francesa de 1789, do que em função de sua brilhante carreira como parlamentar Whig (grupo partidário liberal), defensor das liberdades e do constitucionalismo dos ingleses. Burke não escreveu um tratado sobre teoria política; sua obra consiste em uma série de cartas, discursos parlamentares e panfletos de circunstância, e seu pensamento, embora altamente imaginativo, é bastante assistemático, o que tornou sua produção sujeita a interpretações conflitantes e mesmo à acusação de inconsistência teórica e doutrinária.

Edmund Burke nasceu em janeiro de 1729 na cidade de Dublin, na Irlanda, à época uma colônia inglesa. Seu pai, um advogado de confortável posição, era protestante, e sua mãe, descendente de uma velha família católica. Burke optou pelo protestantismo e, embora desenvolvesse uma ligação profunda com a religião, foi sempre muito tolerante com as diferentes seitas. Isto certamente tem a ver com sua diversificada experiência familiar e escolar. Burke teve uma excelente educação. Burke vai para Londres com a intenção de se preparar para a carreira de advogado, matriculando-se assim num curso de direito no Middle Temple. Embora tenha inicialmente se dedicado com afinco ao estudo da jurisprudência, logo se viu atraído pela literatura, o que o fez abandonar seus estudos de direito.
       
Seu primeiro contato direto com a política se deu através de William Gerard Hamilton, um parlamentar que em 1761 foi nomeado primeiro-secretário do governador da Irlanda e que convidou Burke para acompanhá-lo como secretário particular. Esta experiência junto à administração inglesa na Irlanda fez com que entrasse a fundo nos problemas de sua terra natal, tornando-se um incansável defensor das causas irlandesas. Permaneceu na Irlanda até 1765, data em que rompeu com Hamilton e em que foi nomeado secretário do marquês de Rockingham, líder de um dos grupos Whig no Parlamento (Liberal). Como seu secretário durante dezessete anos, Burke participou dos governos liderados por Lord Rockingham, e exerceu grande influência neste que era o líder da principal corrente política inglesa, o partido Whig de Rockingham. Assim, não foi difícil para Burke conseguir, através de eleições de limitada participação como as que ocorriam na época, um assento no Parlamento. Sua entrada na Câmara dos Comuns se dá em 1766 como deputado por Wendover, cadeira que iria conservar até 1774, quando a trocou pela deputação por Bristol. Foi nesta cidade - então a segunda do reinado - que, ao ser proclamado eleito em 3 de novembro de 1774, Burke pronunciou o famoso discurso, tratando do papel de um representante no Parlamento. Neste discurso Burke defende com brilhantismo a independência da atividade de um representante. Este, ao invés de se guiar por instruções de seus representados, deveria se orientar pelo bem geral de toda a comunidade e agir de acordo com seu próprio julgamento e consciência.
   
Burke permaneceu como representante de Bristol até 1780, quando, reconhecendo ter perdido a confiança de seus representados, decidiu-se por assegurar um lugar no Parlamento através da representação do distrito de Malton, cadeira que conservou até encerrar sua carreira parlamentar em 1794. Burke morreu em 9 de julho de 1797.

Uma sociedade natural, hierárquica e desigual
É uma tarefa demasiado árdua discutir em uma breve apresentação os vários e intrincados aspectos envolvidos no pensamento de Burke, principalmente por se tratar de um pensador e político que nunca chegou - nem mesmo nas Reflexões - a expor de modo sistemático suas idéias fundamentais. Estas, ao contrário, emergem em meio a críticas e argumentos construídos na discussão acerca de questões concretas. Sua despreocupação com a sistematização de seu pensamento muito se deve ao fato de esposar uma visão hostil às abstrações. Para Burke, as concepções teóricas, sem contato com a realidade, muitas vezes obstruem ou corrompem a ação política, por não levar em consideração as circunstâncias complexas em que os problemas estão envolvidos: "São as circunstâncias que fazem com que qualquer plano político ou civil seja benéfico ou prejudicial para a humanidade". Desse modo, princípios abstratos não podem ser simplesmente aplicados na solução de problemas políticos reais. De fato, foi essa a primeira grande objeção de Burke à Revolução Francesa, um movimento motivado por princípios abstratos como a liberdade, a igualdade. Isso não significa, no entanto, que Burke tenha evitado fazer generalizações teóricas. E, apesar de suas constantes referências pouco elogiosas ao pensamento abstrato, suas críticas às ideias revolucionárias, bem como as posições fundamentais que defendia, não deixavam de possuir fundamentos metafísicos. Burke admitia existir, subjacente ao fluxo dos eventos, uma realidade superior, sendo essencial para qualquer ação o seu conhecimento. E, de fato, sua concepção sobre o Estado e a sociedade baseia-se em determinadas suposições sobre a natureza do Universo. A esse respeito, cabe ressaltar o papel proeminente da religião no esquema explicativo de Burke. Estado e sociedade fazem parte da ordem natural do Universo, que é uma criação divina. Segundo Burke, Deus criou um Universo ordenado, governado por leis eternas. Os homens são parte da natureza e estão sujeitos às suas leis. Estas leis eternas criam suas convenções e o imperativo de respeitá-las; regulam a dominação do homem pelo homem e controlam os direitos e obrigações dos governantes e governados. Os homens, por sua vez, dependem uns dos outros, e sua ação criativa e produtiva se desenvolve através da cooperação. Esta requer a definição de regras e a confiança mútua, o que é desenvolvido pelos homens, com o passar do tempo, através da interação, da acomodação mútua e da adaptação ao meio em que vivem. É desse modo que eles criam os princípios comuns que formam a base de uma sociedade estável.
   
Alguns pontos podem assim ser assinalados quanto à concepção de Burke acerca da natureza da sociedade e do Estado. Em primeiro lugar, a sociedade tem uma essência moral, um sistema de mútuas expectativas, deveres e direitos sociais (e não naturais). Em segundo lugar, vemos em Burke a idéia de que a sociedade é natural e de que os homens são por natureza sociais ("o estado de sociedade civil [...] é um estado de natureza"). E aqui cabe frisar que, para Burke, faz também parte da natureza das coisas a desigualdade (e a propriedade, que tem por traço fundamental ser desigual). A natureza é hierárquica; assim, uma sociedade ordenada é naturalmente dividida em estratos ou classes, de modo que a igualdade, tanto política, social como econômica, vai contra a natureza. Para Burke, a idéia de igualdade, esta "monstruosa ficção" apregoada pela Revolução Francesa, só serve para subverter a ordem e "para agravar e tornar mais amarga a desigualdade real que nunca pode ser eliminada e que a ordem da vida civil estabelece, tanto para benefício dos que têm de viver em uma condição humilde" como dos privilegiados.
   
Em terceiro lugar, tem-se a idéia de que a sociedade näo apenas tem origem divina mas também é divinamente ordenada. Segundo Burke, Deus nos legou o Estado, que é o meio necessário pelo qual nossa natureza é aperfeiçoada pela nossa virtude. Nesse sentido, a sociedade e o Estado possibilitam a realização das potencialidades humanas. Pode-se identificar em Burke uma atitude de veneração ao Estado (especificamente ao Estado inglês), bastante similar à que teria mais tarde Hegel em relação ao Estado prussiano. Como afirma Burke, o Estado é "uma associação de toda ciência, de toda arte, de toda virtude e de toda perfeição [...] uma associação não apenas entre os vivos, mas também entre os mortos e os que irão nascer". E isso nos leva a fazer alusão a um outro traço importante do pensamento de Burke: sua defesa da continuidade, sua reverência à tradição social e constitucional.
   
Uma constante no pensamento político de Burke, aparente tanto quando ele criticava o governo autocrático e a política colonial da Coroa como quando vilipendiava a Revolução Francesa, é a defesa da Constituição inglesa. Muito do seu sentido de conservação está referido ao que esta Constituição, a seu ver, representava ou personificava. Em primeiro lugar, ela representava o pacto voluntário pelo qual uma sociedade é criada; e por se basear em um contrato voluntário inicial, ela é um imperativo para todos os indivíduos de uma sociedade. Em segundo lugar, a Constituição inglesa personificava a tradição, e por isso deveria ser respeitada, porque esta representa a "progressiva experiência" do homem. Afirma Burke: 

"Nossa Constituição é uma Constituição prescritiva; é uma Constituição cuja única autoridade consiste no fato de ter existido desde tempos imemoráveis". E as velhas instituições são as mais úteis, porque elas têm a sabedoria de Deus trabalhando através da experiência dos homens no curso de sua história.

Em terceiro lugar, defender a Constituição inglesa significava defender o arranjo político instaurado a partir da Revolução de 1688, que garantia o equilíbrio entre a Coroa e o Parlamento. Este arranjo político consagrava à monarquia a condição de instituição central da ordem política, ao personificar o objeto "natural" de obediência e reverência; mas atribuía ao Parlamento – corpo representativo dos diferentes interesses do reino - a condição de contrapeso da instituição monárquica, possibilitando o necessário controle sobre os abusos do poder real. Afirma Burke:

"A virtude, o espírito e a essência da Câmara dos Comuns consiste em ser ela a imagem expressa dos sentimentos da nação. Ela não foi instituída para ser um controle sobre o povo.”

Assim, tem uma posição-chave nesse arranjo constitucional a Câmara dos Comuns, através da qual o povo está representado, no entanto, o caráter representativo desta Câmara é para Burke muito mais virtual do que real, e tem pouco a ver com base eleitoral, mesmo porque Burke se opunha à extensão do sufrágio. Segundo Burke, os interesses têm uma realidade objetiva e são o fruto de debate e deliberação entre homens de sabedoria e de virtude, não se confundindo com os meros desejos e opiniões do povo. É nesse sentido que Burke defendia o mandato independente na atividade de um representante. Como argumenta em seu famoso discurso aos eleitores de Bristol,

"O Parlamento é uma assembléia deliberante de uma nação, com um único interesse, o de todos; onde não deveriam influir fins e preconceitos locais, mas o bem comum [...]". É portanto um direito e um dever dos membros do Parlamento seguir sua própria consciência e julgamento independente, ao invés de obedecer aos desejos ou instruções de sua base.”
   
Finalmente cabe ressaltar a importância assinalada por Burke aos partidos políticos, peça essencial de um governo livre. Na verdade, Burke foi quem primeiro atribuiu um significado positivo ao termo partido político, dissociando-o do caráter faccioso originalmente atribuído aos agrupamentos políticos. Sua defesa dos partidos políticos é uma reação à idéia, difundida pela camarilha do rei, de que toda conexão que persegue um fim político é necessariamente uma facção que visa somente vantagens pessoais e antipatrióticas. Contrapondo-se a essa ideia, Burke formulou a definição clássica de partido político:

"Um grupo de homens unidos para a promoção, através de seu esforço conjunto, do interesse nacional, com base em algum princípio determinado com o qual todos concordam, os partidos são instrumentos necessários para que planos comuns possam ser postos em praticas “com todo o poder e autoridade do Estado”.

Concebendo a sociedade como um organismo que encarnava a ordem moral de origem divina; fiel defensor da hierarquia social, das prescrições, dos direitos herdados e da continuidade histórica; critico ferrenho das ideias e praticas da Revolução Francessa; Burke por estes e outros atributos, tornou-se o exponente máximo do pensamento conservador. Conhecer suas ideias ajuda-nos a entender os fundamentos em que esta baseada a critica conservadora a concepção dialética da historia, a teoria da revolução, ao radicalismo politico. Mas Burke foi também um vigoroso inimigo da camarilha do rei Jorge III, critico contumaz do governo autocrático e do imperialismo britânico em sua forma vigente na América, Irlanda e índia no Século XVIII; defensor de uma economia de mercado, de tolerância religiosa e dos princípios liberais da revolução Whig de 1688. Tais tributos é que deram a Burke o titulo de constitucionalista liberal. Um liberal conservador, esta seria a melhor denominação para Burke; e discutir sua concepção sobre representação politica, sobre partidos e governos partidários, ajuda-nos a conhecer os mecanismos caraterísticos de um regime parlamentar.

Independência americana e revolução francesa
Durante todo o período que vai de 1766 a 1794, Burke foi um atuante membro do Parlamento e, como tal, esteve presente nos principais acontecimentos políticos da Inglaterra dos meados do século XVIII. Referir-se a esta época e a este lugar é situarmo-nos em um período histórico em que já despontavam na Inglaterra sinais do grande surto econômico provocado pela Revolução Industrial; significa, também, colocarmo-nos em um país onde há quase um século ocorrera a derrocada da monarquia absolutista, e onde a ordem capitalista já se tornara parte do status quo, instaurada como foi na Inglaterra por um processo de acomodação progressiva do novo na velha ordem tradicional.
   
Num contexto mais específico, a época em que Burke iniciou sua carreira política coincide com um evento que iria ter consequências significativas na política britânica: a ascensão de Jorge III ao trono da Inglaterra. Tornando-se rei em 1760, Jorge III iria tentar de todas as formas assegurar um papel mais ativo para a Coroa, a qual, desde a Revolução Gloriosa de 1688, havia perdido influência em benefício do fortalecimento do Parlamento. Assim, os primeiros 35 anos do reinado de Jorge III foram marcados pela ação deliberada do rei com vistas a reverter, a qualquer custo, a tendência prevalecente nas décadas anteriores, de modo a reconquistar para a Coroa o poder efetivo. E, nesta luta, Edmund Burke se colocou ao lado do Parlamento, defendendo o regime parlamentar e a ordem constitucional inglesa. Fazendo uma análise da situação política da época, Burke argumentava no sentido de mostrar que as ações de Jorge III chocavam-se com o espírito da Constituição; e denunciava como prática de favoritismo o critério pessoal na escolha dos ministros. Combatendo a camarilha do rei, Burke defendia a escolha dos membros do ministério segundo bases públicas, isto é, através da aprovação do Parlamento, que representa a soberania popular. É neste ensaio que encontramos, pela primeira vez expressa de forma inequívoca, uma defesa dos partidos políticos como instrumentos de ação conjunta na vida pública.

Foi também no tempo de Burke que se acirrou o conflito do Império britânico com as colônias  americanas,  culminando na guerra da independência. O desenvolvimento prodigioso das colônias da América no século XVIII havia gerado tensões no sistema de regulação política e econômica imperial, e a determinação da Coroa de manter o controle absoluto sobre os povos colonizados resultou em repressão e guerra. Defensor de uma política mais conciliatória, seus pronunciamentos mais conhecidos sobre esta questão e a carta enviada à sua base eleitoral justificando sua posição em defesa dos americanos, Letter to the sheriffs of Bristol (1777). Em seus pronunciamentos, Burke defendia a necessidade de se encontrar uma solução harmônica para o problema daqueles que, em verdade, eram descendentes dos ingleses e que, como estes, possuíam o espírito de liberdade que tão bem encarnavam as instituições britânicas; argumentava que estava em risco não apenas as liberdades dos americanos mas as próprias liberdades dos ingleses.
                                                 
Se foi em nome dessas liberdades que Burke se insurgiu contra as investidas da Coroa em tentar aumentar seu poderio interna e externamente, foi em nome da ordem e das tradições inglesas que Burke iniciaria uma cruzada contra o acontecimento histórico mais surpreendente de sua época, a Revoluçäo Francesa de 1789. Sua hostilidade desmesurada a este movimento revolucionário sem precedentes, que causara entusiasmo entre os ingleses, inspirou-lhe a produção de sua mais importante obra: Reflexões sobre a revolução em França, publicada em 1790. Esta obra foi motivada por um pronunciamento do dissidente protestante Richard Price, que, elogiando a Revolução Francesa, elegia-a como modelo aos britânicos.

Assim é que grande parte desta obra tem por fim dinamitar os argumentos dos defensores na Inglaterra daquelas idéias radicais que impulsionaram a Revolução na França, as quais Burke temia que fossem generalizadas. Desta maneira, Burke discute as ideias fundamentais que animaram o movimento, tais como a questão da igualdade, dos direitos do homem e da soberania popular; alerta contra os perigos da democracia em abstrato e da mera regra do número; e questiona o caráter racionalista e idealista do movimento, salientando não se tratar simplesmente do fato de estar a revolução provocando o desmoronamento da velha ordem, mas de estar causando a deslegitimaçäo dos valores tradicionais, destruindo assim toda uma herança em recursos materiais e espirituais arduamente conquistada pela sociedade. Contrapondo-se a esses males, Burke exalta as virtudes da Constituição inglesa, repositório do espírito de continuidade, da sabedoria tradicional, da prescrição, da aceitação de uma hierarquia social e da propriedade, e da consagração religiosa da autoridade secular. É particularmente nesta obra que se encontram expostos de forma mais clara os fundamentos e traços conservadores do pensamento de Burke.

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