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sexta-feira, 18 de julho de 2014

Os Federalistas: Remédios Republicanos para Males Republicanos.


"Publius":  Alexander Hamilton,  James Madison,  
“O Federalista” é fruto da reunião de uma serie de ensaios publicados na imprensa de Nova York em 1788, com o objetivo de contribuir para a ratificação da Constituição pelos Estados. Obra conjunta de três autores, Alexander Hamilton (1755 – 1804), James Madison (1751 -1836) e John Jay (1745 – 1859), os artigos eram assinados por Publius. Madison e Hamilton encontram-se entre os líderes do movimento que culminou na convocação da Convenção Federal, da qual foram membros. Quanto à elaboração da Constituição, Hamilton teve uma participação discreta, já que suas teses ultracentralizadoras foram prontamente rejeitadas. A James Madison, por outro lado, é creditada a maior contribuição individual na elaboração da Constituição, daí porque seja chamado de "Father of the Constitution" (Pai da Constituição).

Após a ratificação da Constituição, a presença dos autores de "O Federalista" na vida política norte-americana mantém-se de suma importância. Hamilton foi o primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos e um dos principais conselheiros políticos do presidente George Washington, a quem também esteve ligado John Jay, o primeiro presidente da Corte Suprema. Madison, junto com Jefferson, liderou a formação do Partido Republicano, pelo qual veio a ser eleito o quarto presidente dos Estados Unidos em 1808.

O acordo entre os autores de "O Federalista" não era absoluto e esteve diretamente relacionado aos objetivos dos artigos: a defesa da ratificação da Constituição. Não concordavam entre si em vários pontos, como também, em pontos específicos, tinham reservas quanto à Constituição proposta. Concordavam, no entanto, que a Constituição elaborada pela Convenção Federal oferecia um ordenamento político incontestavelmente superior ao vigente sob os Artigos da Confederação. Por partilharem deste diagnóstico, e por considerarem urgente para a sorte do país a adoção da nova Constituição, os autores de "O Federalista" projetaram escrever uma série de artigos onde a nova Constituição seria explicada e, ao mesmo tempo, refutadas as principais objeções de seus adversários.

A filosofia política da época, em especial a exposta por Montesquieu, era evocada pelos adversários da ratificação de uma nova constituição proposta. Montesquieu, apontava para a incompatibilidade entre governos populares (democráticos) e os tempos modernos. Na fundamentação apontavam sobre a necessidade de manter grandes exércitos e a predominância das preocupações com o bem-estar material, onde, faziam das grandes monarquias a forma de governo mais adequada ao espírito dos tempos e não uma republica democrática. Argumentavam também que as condições ideais exigidas pelos governos populares, um pequeno território e cidadãos virtuosos, amantes da pátria e surdos aos interesses materiais, não mais existiam. Se, por acaso, se formassem governos desta natureza, seriam presas fáceis de seus vizinhos militarizados, como comprovava a história européia.

O desafio teórico enfrentado por "O Federalista" era o de desmentir os dogmas arraigados de uma longa tradição. Tratava-se de demonstrar que o espírito comercial da época não impedia a constituição de governos populares e, tampouco, estes dependiam exclusivamente da virtude do povo ou precisavam permanecer confinados a pequenos territórios (como argumentava Montesquieu, você pode conferir Aqui). Os postulados dos Federalistas são literalmente invertidos, aumentar o território e o número de interesses são benéficos à sorte desta forma de governo. Em suma, pela primeira vez, a teorização sobre os governos populares deixava de se mirar nos exemplos da Antiguidade, iniciando-se, assim, sua teorização eminentemente moderna.



O moderno federalismo.
Um dos eixos estruturadores de "O Federalista" é o ataque à fraqueza do governo central instituído pelos Artigos da Confederação (no caso, o atual Estados Unidos, ainda era subordinado a Inglaterra). Em realidade, segundo afirma Hamilton em "O Federalista", n. 15, nem se chegou, propriamente, a criar um governo, uma vez que estavam ausentes as condições mínimas a garantir sua existência efetiva. Esta passagem esclarece o seu raciocínio:

“Como o Congresso não tinha poderes para exigir o cumprimento das leis que baixava, cuja aplicação e punição dos eventuais desobedientes ficava a cargo dos Estados, estas, a despeito do fato de serem constitucionais, não passavam de "recomendações que os Estados observavam ou ignoravam a seu bel-prazer".

A única forma de criar um governo central, que realmente mereça o nome de governo, seria capacitá-lo a exigir o cumprimento das normas dele emanadas. Para que tal se verificasse, seria necessário que a União deixasse de se relacionar apenas com os Estados e estendesse o seu raio de ação diretamente aos cidadãos. Em suma, o governo central se relacionaria não apenas com outros países, mas também com os estados membros que constituirá o País, sendo estes estados membros independentes entre si, mas subordinado a União.

A experiência histórica demonstrava que as confederações   haviam sido levadas à ruína pelas razões apresentadas por Hamilton (intende-se confederação, como sendo, um poder centralizado, no qual não se permite nenhuma autonomia aos estados subjugados). Insistir na formação de uma Confederação seria desconhecer as lições da história e se prender às conjecturas de Montesquieu, que via nestas a possibilidade de compatibilizar as qualidades positivas dos Estados grandes — a força — com a dos pequenos — a liberdade. Portanto, a Constituição proposta pelos Federalistas,  defendia a criação de uma nova forma de governo, até então não experimentada por qualquer povo ou defendida por qualquer autor. A Constituição proposta, pelos Federalistas, não era estritamente nacional ou federal, mas uma composição de ambos os princípios.

O termo federal, como nomeamos hoje esta forma de governo, entretanto, era até aquele momento, sinônimo de confederação. A distinção ficou a partir do ponto assinalado por Hamilton; enquanto em uma confederação o governo central só se relaciona com Estados, cuja soberania interna permanece intacta, em uma Federação esta ação se estende aos indivíduos, fazendo com que convivam dois entes estatais de estatura diversa, com a órbita de ação dos Estados definida pela Constituição da União. O federalismo nasce como um pacto político entre os Estados, fruto de esforços teóricos e negociação política. Um pacto político, digamos assim, fundante, pois, por seu intermédio, se constituí aos Estados Unidos enquanto nação.

Inspirados na reflexão de Montesquieu, calcada na história européia, os "Antifederalistas" apontavam para os riscos à liberdade inerentes a um grande Estado, cujas características os levava a se transformar em monarquias militarizadas. Frente a este quadro, propunham a formação de três ou quatro confederações como forma de respeitar o tamanho ideal dos governos populares. Hamilton, ao contrário, detectava nesta proposta o germe da competição comercial entre as diversas confederações. Para evitar as rivalidades comerciais, estas sim as causadoras da militarização e do fortalecimento do executivo, defendia o pacto federal. Este pacto favoreceria o desenvolvimento comercial dos Estados Unidos, formando uma nação de grande extensão territorial que não dependeria de grandes efetivos militares.



A separação dos poderes e a natureza humana

"Mas afinal, o que é o próprio governo senão o maior de todos os reflexos da natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos."

Esta é praticamente a primeira afirmação de Madison enquanto a natureza do indivíduos, uma visão negativa e potencialmente negativa.  Para citar mais um exemplo, em "O Federalista" n. 6, Hamilton relembra que nunca se deve perder de vista o fato de os homens serem "ambiciosos, vingativos e rapaces". Segundo ele, pensar de modo diferente "seria ignorar o curso uniforme dos acontecimentos humanos e desafiar a experiência acumulada ao longo dos séculos''.

Trata-se de um recurso de argumentação utilizado para justificar a necessidade de criação do Estado. Controlar os detentores do poder porque, como observa Madison, os homens não são governados por anjos, mas sim por outros homens, daí porque seja necessário controlá-los. "Ao constituir-se um governo — integrado por homens que terão autoridade sobre outros homens — a grande dificuldade está em que se deve primeiro habilitar o governante a controlar os governados e, depois, obrigá-lo a controlar-se a si mesmo.

"As estruturas internas do governo devem ser estabelecidas de tal forma que funcionem como uma defesa contra a tendência natural de que o poder venha a se tornar arbitrário e tirânico. Sendo o homem o que é, segue-se que todo aquele que detiver o poder em suas mãos tende a dele abusar.”

Como afirma Madison;

"não se nega que o poder é, por natureza, usurpador, e que precisa ser eficazmente contido, a fim de que não ultrapasse os limites que lhe foram fixados". ("O Federalista", n. 48)

A limitação do poder, dada esta sua natureza intrínseca, só pode ser obtida pela contraposição a outro poder, isto é, o poder freando o poder. Neste ponto, "O Federalista" se aproxima de Montesquieu. Estas reflexões, como é sabido, fundamentam a teoria da separação dos poderes, enunciada por este autor. Apesar de se apoiar expressamente em Montesquieu, a exposição de Madison da teoria da separação dos poderes contém especificidades que merecem ser notadas.


O governo misto e a diferença de “separação de poderes”.
Para a literatura política do século XVIII, a Inglaterra era tomada como um caso comprobatório das qualidades do "governo misto". Segundo esta teoria, quando as funções de governo são distribuídas por diferentes grupos sociais — realeza, nobreza e povo —, o exercício do poder deixa de ser prerrogativa exclusiva de qualquer um dos grupos, forçando-os à colaboração, com o que a convivência civil é aprimorada e a liberdade preservada. O "governo misto", portanto, não é o mesmo que a "separação dos poderes", uma distribuição horizontal das três funções principais do Estado — a legislativa, a executiva e a judiciária — por órgãos distintos e autônomos. A correspondência entre o "governo misto" e a "separação dos poderes" pode ocorrer desde que cada força social seja responsável por uma das funções.

Por razões óbvias, o governo misto, era uma solução descartada nos Estados Unidos, onde as condições sociais para o "governo misto" estavam ausentes. Aliás, este não deixou de ser um problema para os colonos em luta com a Inglaterra, em geral, adeptos da teoria do "governo misto" como a mais eficaz defesa para a liberdade.

Thomas Paine por  exemplo, a rejeitar a teoria do "governo misto", qualificando-a de um mito, ao tempo que afirmavam que a verdadeira segurança para a liberdade de um povo encontrava-se em sua virtude. (Ainda que essa ideia de se espera apenas pela virtude, antes, já havia recebido varias criticas por diversos doutrinadores, até mesmo por Montesquieu), Thomas Paine, miravam-se nos exemplos da Antiguidade greco-romana, cujas condições, diziam, os americanos estariam a reproduzir. Entretanto, este era um argumento típico de parcela das fileiras "Antifederalistas", por contraditório que possa parecer, por este caminho também se estruturavam críticas claramente antipopulares. Se a sorte dos governos populares dependia exclusivamente da virtude do povo, os cidadãos americanos já estavam demonstrando estar a perdê-la. Alguns assim, propunham a volta à teoria do "governo misto", isto é, afirmavam que apenas pela introdução de corretivos aristocráticos a liberdade poderia ser salva na América.

"O Federalista" rejeitava estas duas soluções apresentada, procurando encontrar novas bases para o governo popular. Voltemos à separação dos poderes tal qual apresentada em "O Federalista" e vejamos quais suas relações com o ponto apresentado a cima:

A defesa da aplicação do princípio da separação de poderes encontra-se construída a partir de medidas constitucionais, garantias à autonomia dos diferentes ramos de poder, postos em relação um com os outros para que possam se controlar e frear mutuamente, referidas, em última análise, às características nada virtuosas dos homens, seus interesses e ambições pessoais por acumular poder. A ideia era a seguinte, "A ambição será incentivada para enfrentar a ambição, e os interesses pessoais serão associados aos direitos constitucionais."

A adoção do princípio da separação dos poderes justifica-se como uma forma de se evitar a tirania, onde todos os poderes se concentram nas mesmas mãos. Os diferentes ramos de poder precisam ser dotados de força suficiente para resistir às ameaças uns dos outros, garantindo que cada um se mantenha dentro dos limites fixados constitucionalmente. No entanto, um equilíbrio perfeito entre estas forças opostas, possível no comportamento dos corpos regidos pelas leis da mecânica, não encontra lugar em um governo (uma critica a ideia de Montesquieu, que pretendia comprovar que era possível fazer com que leis humanas, fosse tão precisas quanto leis físicas). “O Federalista” propunha que para cada forma de governo, haverá um poder necessariamente mais forte, de onde partem as maiores ameaças à liberdade. Em uma monarquia, tais ameaças partem do executivo, enquanto para as repúblicas, o legislativo se constitui na maior ameaça à liberdade, já que é a origem de todos os poderes e, em tese, pode alteraras leis que regem o comportamento dos outros ramos de poder. Daí porque sejam necessárias medidas adicionais para frear o seu poder. A instituição do Senado é defendida com este fim, uma segunda câmara legislativa composta a partir de princípios diversos daqueles presentes na formação da Câmara dos Deputados, sendo previsível que a ação de uma leve à moderação da outra. Outra forma de deter o poder legislativo se obtém pelo reforço dos outros poderes. O judiciário, necessariamente o ramo mais fraco porque destituído de poder de iniciativa, merece cuidados especiais para que sua autonomia seja garantida. Este é um ponto defendido com ênfase por Hamilton, que chega, em passagens de "O Federalista" n. 78, a atribuir à Corte Suprema o poder de interpretação final sobre o significado da Constituição. Esta importante atribuição da Corte Suprema, no entanto, não é defendida consistentemente por qualquer um dos três autores e veio a ser incorporada posteriormente às prerrogativas próprias à Corte Suprema.


As repúblicas e as facções.
"O Federalista" n. 10, de autoria de James Madison, é considerado o artigo mais importante de toda a série, merecendo as maiores atenções dos comentaristas. A razão desta celebridade encontra-se em sua discussão a respeito do mal das facções e das formas de enfrenta-lo. (grupos, distintos uns dos outros, com força na sociedade e interesses próprios, não voltado para o bem comum geral da população). Caracterizadas como a principal ameaça à sorte dos governos populares, tidas como forças negativas, no que segue os ensinamentos de uma sólida tradição, Madison inova ao defender que a sorte dos governos populares não depende da eliminação das facções, mas sim de encontrar formas de neutralizar os seus efeitos.

Montesquieu e Rousseau afirmavam que a sobrevivência das democracias era uma função direta da virtude dos cidadãos que a compunham. Sendo a virtude definida como a "renúncia a si próprio" em nome do "amor pelas leis e pela pátria", sua preservação estava na dependência direta da manutenção da igualdade social entre os cidadãos. Trata-se de uma igualdade na frugalidade, já que o luxo traria consigo, inevitavelmente, a ambição e os interesses particulares. Para Madison, tais postulações estabeleciam que as democracias só poderiam florescer onde as facções fossem eliminadas. Madison rejeita esta solução, tida como não factível em um governo livre. As causas das facções encontram-se semeadas na própria natureza humana, nascendo do livre desenvolvimento de suas faculdades. A diversidade de crenças, opiniões e de distribuição da propriedade decorre da liberdade dos homens de disporem de seus próprios direitos. Vale observar que entre estes direitos, Madison destaca o da propriedade, a principal fonte diferenciadora dos homens e, por isto mesmo, a fonte mais comum e duradoura das facções. Proteger o direito de autodeterminação dos homens, isto é, proteger a sua liberdade, é o objetivo primordial dos governos, sua razão de ser. Neste ponto encontra-se explicitado o comprometimento de Madison com o credo liberal. Busca-se constituir um governo limitado e controlado para assegurar uma esfera própria para o livre desenvolvimento dos indivíduos, em especial de suas atividades econômicas.

Se as facções são inevitáveis, o problema passa a ser o de impedir que um dos diferentes interesses ou opiniões presentes na sociedade venha a controlar o poder com vistas à promoção única e exclusiva de seus objetivos. O princípio da decisão por maioria, regra fundamental dos governos populares, passa a representar uma ameaça aos direitos das facções minoritárias, já que elas precisam de um número maior de votação para chegarem ao poder.

É fato que à maioria das pessoas aplica-se o princípio da tendência natural ao abuso do poder quando este não encontra freios diante de si, porém é o que naturalmente tende a acontecer nas democracias puras, onde poucas facções se defrontam e facilmente a majoritária controla todo o poder (por conseguir um número maior de votos). Feita esta observação chega-se a um problema paradoxal para a teorização da democracia: o maior risco de que ela degenere em tirania radica-se no poder que confere à maioria. Observe que a tendência de uma facção controlar o poder é totalmente possível, caso umas delas venha a vencer as eleições, e observe que eleições é um das caraterísticas das Republicas, de forma que não seria possível eliminar as eleições, ou seja, não pode contraditar a regra definitória da forma de governo, se o fizer, logicamente, o governo deixaria de ser republicano. Vejamos o remédio proposto por Madison.

A raiz desta inversão de expectativas, quanto as facções, deve-se à nova espécie de governo popular que defendia: a república. A distinção entre as repúblicas e as democracias puras traz vantagens à primeira em dois pontos capitais. Primeiro, fazendo com que as funções de governo sejam delegadas a um número menor de cidadãos e, segundo, aumentando a área e o número de cidadãos sob a jurisdição de um único governo. À primeira vista, a primeira distinção, ao instituir a representação, traz, automaticamente, as respostas procuradas por Madison para soluciona o problema. Em função do "filtro" que institui, entregando o leme do Estado a homens imunes ao partidarismo, sempre aptos a discernir e optar pelos verdadeiros interesses do povo, a representação eliminaria o mal das facções, no entanto, seguir esta trilha é cair em uma armadilha do texto, é não prestar atenção ao comentário seguinte de Madison, afirmando a probabilidade de se verificar o resultado inverso, isto é, de que pessoas de espírito faccioso e com propósitos sinistros conseguissem obter os votos do povo para depois traí-lo. Segue que a representação, em si, não oferece as garantias suficientes para sanar o mal das facções.

Como afirma o próprio Madison, à segunda característica distintiva das repúblicas deve-se a principal contribuição para evitar o mal das facções. Sob um território mais extenso e com um número maior de cidadãos cresce o número de interesses em conflito, de tal sorte que ou não existe um interesse que reúna a maioria dos cidadãos, ou, na pior das hipóteses, será difícil que se organize para agir. Ou seja, através da multiplicação das facções chega-se à sua neutralização recíproca, tornando impossível o controle exclusivo do poder por uma facção. Impede-se, assim, que qualquer interesse particular tenha condições de suprimir a liberdade.

Conforme afirma, a preocupação central da legislação moderna é a de fornecer os meios para a coordenação dos diferentes interesses em conflito. Levar à coordenação dos interesses é a marca distintiva das repúblicas por oposição à violência do conflito entre facções características das democracias populares. Ante o bloqueio mútuo das partes, a coordenação aparece como a única alternativa para decisão dos conflitos, o interesse geral se impondo como a única alternativa. Segundo as próprias palavras de Madison. 

“Em uma república com a extensão territorial dos Estados Unidos e com a enorme variedade de interesses, partidos e seitas que engloba, a coalizão de uma maioria da sociedade dificilmente poderia ocorrer com base em quaisquer outros princípios que não os da justiça e do bem comum.”

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Niccolo Maquiavel - Aos amigos os favores, aos inimigos a lei.

Os que vencem não importa como vencem,  nunca conquista a vergonha. 


Mais de quatro séculos nos separam da época em que viveu Maquiavel. Muitos leram e comentaram sua obra, mas um número consideravelmente maior de pessoas evoca seu nome ou pelo menos os termos que aí têm sua origem. Maquiavélico e maquiavelismo são adjetivo e substantivo que estão tanto no discurso erudito, no debate político, quanto na fala do dia-a-dia. Seu uso extrapola o mundo da política e habita sem nenhuma cerimónia o universo das relações privadas. Em qualquer de suas acepções, porém, o maquiavelismo está associado à ideia de perfídia, a um procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro. Estas expressões pejorativas sobreviveram de certa forma incólumes no tempo e no espaço, apenas alastrando-se da luta política para as desavenças do cotidiano. Assim, a acusação que recai hoje sobre Maquiavel não difere substancialmente daquela que lhe impingiu Shakespeare ao chamá-lo de "The Murderous", ou de sua identificação com o diabo na era vitoriana, ou mesmo da incriminação que os jesuítas faziam aos protestantes na época da Reforma, considerando-os discípulos de Maquiavel. Como assinala Claude Lefort, em sua análise sobre o uso abrangente multi direcional de tais acusações, o maquiavelismo serve a todos os ódios, metamorfoseia-se de acordo com os acontecimentos, já que pode ser apropriado por todos os envolvidos em disputa. É uma forma de desqualificar o inimigo, apresentando-o sempre como a encarnação do mal. Personificando a imoralidade, o jogo sujo e sem escrúpulos, o "maquiavelismo", ou melhor, o "antimaquiavelismo" tornou-se mais forte do que Maquiavel. É um mito que sobrevive independente do conhecimento do autor ou da obra onde teve origem.

A contra face da versão expressa no "autor maldito", responsabilizado por massacres e por toda sorte de sordidez. Houve também um certa tentativa de desconstrução deste retrato ao qual  acorreram a filósofos da estatura de um Rousseau, de um Spinoza, de um Hegel, para citarmos apenas os primeiros. Nesta interpretação sustenta-se enfaticamente que Maquiavel discorreu sobre a liberdade, ao oferecer preciosos conselhos para a sua conquista ou salvaguarda. Rousseau, por exemplo, opondo-se aos intérpretes "superficiais ou corrompidos" do autor florentino, que o qualificaram como mestre da tirania e da perversidade, afirma: "Maquiavel, fingindo dar lições aos Príncipes, deu grandes lições ao povo" {Do contrato social, livro 3, cap. IV).

Maquiavel ora apresentado como mestre da maldade, ora como o conselheiro que alerta os dominados contra a tirania, quem era este homem capaz de provocar tanto ódio, mas também tanto amor? Que ideias elaborou que o tornam o mais citado entre os pensadores políticos, a ponto de suscitar as mais díspares interpretações, e de sair das páginas dos livros eruditos para ocupar um lugar na fala mais vulgar? Por que incitou tamanho temor, sendo sua obra mais conhecida colocada no Index da Igreja, e por que continua a dar ensejo a tão fundos preconceitos?

As desventuras de um florentino
Maquiavel nasceu em Florença em 3 de maio de 1469, numa Itália "esplendorosa mas infeliz'', no dizer do historiador Garin. A península era então constituída por uma série de pequenos Estados, com regimes políticos, desenvolvimento económico e cultura variados. Tratava-se, a rigor, de um verdadeiro mosaico, sujeito a conflitos contínuos e alvo de constantes invasões por parte de estrangeiros. Até 1494, graças aos esforços de Lourenço, o Magnífico, a península experimentou uma certa tranquilidade. Cinco grandes Estados dominavam o mapa político: ao sul, o reino de Nápoles, nas mãos dos Aragão; no centro, os Estados papais controlados pela Igreja e a república de Florença, presidida pelos Médicis; ao norte, o ducado de Milão e a república de Veneza. Nos últimos anos do século, entretanto, a desordem e a instabilidade eram incontroláveis. Às dissensões internas e entre regiões somaram-se as invasões das poderosas nações vizinhas, França e Espanha. Assim, os Médicis são expulsos de Florença; acirram-se as discórdias entre Milão e Nápoles; os domínios da Igreja passam a ser governados por Alexandre VI, um papa espanhol da família Borgia, guiado por ambições sem limites; o rei Carlos VIII, da França, invade a península e consegue dominá-la de Norte a Sul. Pouco tempo depois, com a morte do papa Alexandre VI, o trono é ocupado por Júlio II, que se alia primeiro aos franceses contra Veneza e em seguida, em 1512, funda a Santa Liga contra a França. Neste cenário conturbado, no qual a maior parte dos governantes não conseguia se manter no poder por um período superior a dois meses, Maquiavel passou sua infância e adolescência. Sua família não era nem aristocrática, nem rica. Seu pai, advogado, como um típico renascentista, era um estudioso das humanidades, tendo se empenhado em transmitir uma aprimorada educação clássica para seu filho. Dessa forma, com orgulho, noticiava a um amigo que Nicolau, com apenas 12 anos, já redigia no melhor estilo em latim, dominando a retórica greco-romana.

Como o próprio Maquiavel afirmava seus textos são os que resultam de sua experiência prática e do convívio com os clássicos. “O Príncipe” data dos anos de 1512 a 1513; Os “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio”, de 1513 a 1519; o livro sobre a “Arte da guerra”, de 1519 a 1520; e, por último, sua “História de Florença”, de 1520 a 1525. Ao lado destas publicações, escreveu a comédia “A mandrágora”, considerada obra-prima do teatro italiano; uma biografia sobre Castruccio Castracani e uma coleção de poesias e ensaios literários.

Depois da redação de O príncipe, a vida de Maquiavel é marcada por uma contínua alternância de esperanças e decepções. Para conseguir os favores dos Médicis dedica-lhes seu livro e pede a intervenção de amigos. Os governantes são pouco sensíveis aos apelos — para os tiranos ele é um republicano. Finalmente, em 1520, a Universidade de Florença, presidida pelo cardeal Júlio de Médicis, encarrega-o de escrever sobre Florença. Desta incumbência nasce sua última obra e também sua última frustração. Pois, com a queda dos Médicis em 1527 e a restauração da república, Maquiavel, que imaginara terem assim findados seus infortúnios, vê-se identificado pelos jovens republicanos como alguém que possuía ligações com os tiranos depostos, já que deles recebera a tarefa de escrever sobre sua cidade. Desta vez, viu-se vencido. Esgotaram-se suas forças. A república considerou-o seu inimigo. Desgostoso, adoece e morre em junho.

A verdade efetiva das coisas
O destino determinou que eu não saiba discutir sobre a seda, nem sobre a lã; tampouco sobre questões de lucro ou de perda. Minha missão é falar sobre o Estado. Será preciso submeter-me à promessa de emudecer, ou terei que falar sobre ele. (Carta a F. Vettori, de 13/03/1513.)

Este trecho de uma carta escrita por Maquiavel revela sua "pre-destinação" inarredável: falar sobre o Estado. De fato, sua preocupação em todas as suas obras é o Estado. Não o melhor Estado, aquele tantas vezes imaginado, mas que nunca existiu. Mas o Estado real, capaz de impor a ordem. Maquiavel rejeita a tradição idealista de Platão, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino e segue a trilha inaugurada pelos historiadores antigos, como Tácito, Políbio, Tucídides e Tito Lívio. Seu ponto de partida e de chegada é a realidade concreta. Daí a ênfase na verdade efetiva das coisas. Esta é sua regra metodológica: ver e examinar a realidade tal como ela é e não como se gostaria que ela fosse. A substituição do reino do dever ser, que marcara a filosofia anterior, pelo reino do ser, da realidade, leva Maquiavel a se perguntar: como fazer reinar a ordem, como instaurar um Estado estável? O problema central de sua análise política é descobrir como pode ser resolvido o inevitável ciclo de estabilidade e caos.

Ao formular e buscar resolver esta questão, Maquiavel provoca uma ruptura com o saber repetido pelos séculos. Trata-se de uma indagação radical e de uma nova articulação sobre o pensar e fazer política, que põe fim à ideia de uma ordem natural e eterna. A ordem, produto necessário da política, não é natural, nem a materialização de uma vontade extraterrena, e tampouco resulta do jogo de dados do acaso. Ao contrário, a ordem tem um imperativo: deve ser construída pelos homens para se evitar o caos e a barbárie, e, uma vez alcançada, ela não será definitiva, pois há sempre, em germe, o seu trabalho em negativo, isto é, a ameaça de que seja desfeita. "Enveredando por um caminho ainda não trilhado", como reconhece explicitamente nos Discursos, o autor florentino reinterpreta a questão da política.

Ela é o resultado de feixes de forças, proveniente das açòes concretas dos homens em sociedade, ainda que nem todas as suas facetas venham do reino da racionalidade e sejam de imediato reconhecíveis. Ao perceber o que há de transitório e circunstancial no arranjo estabelecido em uma determinada ordem, monta um enigma para seus contemporâneos. Enigma que se recoloca incessantemente e que a cada significado encontrado remete a outra significação para além de si. Este pensamento em constante transmutação e fluxo, que determina seu curso pelo movimento da realidade, transformará Maquiavel num clássico da filosofia política, atraindo a atenção e esforços de compreensão de seus leitores de todos os tempos. Tem-se sempre a sensação de que é necessário ler, reler, e voltar a ler a obra e que são infindáveis as suas possibilidades de formalização. Sua armadilha é atraente — fala do poder que todos sentem, mas não conhecem. Porém, para conhecê-lo é preciso suportar a ideia da incerteza, da contingência, de que nada é estável e que o espaço da política se constitui e é regido por mecanismos distintos dos que norteiam a vida privada. E mais ainda: o mundo da política não leva ao céu, mas sua ausência é o pior dos infernos.

Por outro lado, a forma que usa para expor suas ideias exige atenção. Não só porque recoloca e problematiza velhos temas, mas sobretudo porque rediscute-os incessantemente, obrigando o leitor a pôr sempre em xeque a primeira compreensão. Por isso, qualquer tentativa de sistematizar os escritos de Maquiavel é sempre provisória e sujeita a novas interpretações. Vale assim, para os seus escritos, a mesma metodologia que usava para ler a realidade e, afinal, de há muito sua obra deixou de ser apenas uma referência de erudição ilustrada. Pelo que significa e tem significado nas práticas históricas é ela própria simultaneamente um monumento e um instrumento político, retornando sempre como um enigma complexo que só pode ser decifrado pela análise de sua presença concreta e sua venta effettuale (verdade efetiva). Isto posto, ocupemo-nos do exame de alguns temas vitais para a compreensão da intrincada construção do pensamento de Maquiavel. E claro que este é apenas um ângulo possível num prisma multifacetado.

Natureza humana e historia
Guiado pela busca da "verdade efetiva", Maquiavel estuda a história e reavalia sua experiência como funcionário do Estado. Seu "diálogo" com os homens da antiguidade clássica e sua prática levam-no a concluir que por toda parte, e em todos os tempos, pode-se observar a presença de traços humanos imutáveis. Daí afirmar, os homens "são ingratos, volúveis, simuladores, covardes ante os perigos, ávidos de lucro" {O príncipe, cap. XVII). Estes atributos negativos compõem a natureza humana e mostram que o conflito e a anarquia são desdobramentos necessários dessas paixões e instintos malévolos. Por outro lado, sua reiterada permanência em todas as épocas e sociedades transformam a história numa privilegiada fonte de ensinamentos. Por isso, o estudo do passado não é um exercício de mera erudição, nem a história um suceder de eventos em conformidade com os desígnios divinos até que chegue o dia do juízo final, mas sim um desfile de fatos dos quais se deve extrair as causas e os meios utilizados para enfrentar o caos resultante da expressão da natureza humana. Desta forma, sustenta o pensador florentino, aquele que estudar cuidadosamente o passado pode prever os acontecimentos que se produzirão em cada Estado e utilizar os mesmos meios que os empregados pelos antigos. Ou então, se não há mais os remédios que já foram empregados, imaginar outros novos, segundo a semelhança dos acontecimentos. (Discursos, livro I. cap. XXXIX.) A história é cíclica, repete-se indefinidamente, já que não há meios absolutos para "domesticar" a natureza humana. Assim, a ordem sucede à desordem e esta, por sua vez, clama por uma nova ordem. Como, no entanto, é impossível extinguir as paixões e os instintos humanos, o ciclos se repete. O que pode variar — e nesta variação encontra-se o âmago da capacidade criadora humana e, portanto, da política — são os tempos de duração das formas de convívio entre os homens. O poder político tem, pois, uma origem mundana. Nasce da própria "malignidade" que é intrínseca à natureza humana. Além disso, o poder aparece como a única possibilidade de enfrentar o conflito, ainda que qualquer forma de "domesticação" seja precária e transitória. Não há garantias de sua permanência. A perversidade das paixões humanas sempre volta a se manifestar, mesmo que tenha-permanecido oculta por algum tempo.

Para mudar tal situação não é um ditador; é, mais propriamente, um fundador do Estado, um agente da transição numa fase em que a nação se acha ameaçada de decomposição. Quando, ao contrário, a sociedade já encontrou formas de equilíbrio, o poder político cumpriu sua função regeneradora e "educadora", ela está preparada para a República.

Neste regime, que por vezes o pensador florentino chama de liberdade, o povo é virtuoso, as instituições são estáveis e contemplam a dinâmica das relações sociais. Os conflitos são fonte de vigor, sinal de uma cidadania ativa, e portanto são desejáveis. Face à Itália de sua época — dividida, corrompida, sujeita às invasões externas — Maquiavel não tinha dúvidas: era necessário sua unificação e regeneração. Tais tarefas tornavam imprescindível o surgimento de um homem virtuoso capaz de fundar um Estado. Era preciso, enfim, um príncipe.

Anarquia x Principado e Republica
À desordem proveniente da imutável natureza humana, Maquiavel acresce um importante fator social de instabilidade: a presença inevitável, em todas as sociedades, de duas forças opostas, "uma das quais provém de não desejar o povo ser dominado nem oprimido pelos grandes, e a outra de quererem os grandes dominar e oprimir o povo" {O príncipe, cap. IX).

Note-se que uma das forças quer dominar, enquanto a outra não quer ser dominada. Se todos quisessem o domínio, a oposição seria resolvida pelo governo dos vitoriosos. Contudo, os vitoriosos não sufocam definitivamente os vencidos, pois estes permanecem não querendo o domínio. O problema político é então encontrar mecanismos que imponham a estabilidade das relações, que sustentem uma determinada correlação de forças. Maquiavel sugere que há basicamente duas respostas à anarquia decorrente da natureza humana e do confronto entre os grupos sociais:, o Principado e a República. A escolha de uma ou de outra forma institucional não depende de um mero ato de vontade ou de considerações abstratas e idealistas sobre o regime, mas da situação concreta. Assim, quando a nação encontra-se ameaçada de deterioração, quando a corrupção alastrou-se, é necessário um governo forte, que crie e coloque seus instrumentos de poder para inibir a vitalidade das forças desagregadoras e centrífugas. O príncipe.

Virtù X fortuna
A crença na predestinação dominava há longo tempo. Este era um dogma que Maquiavel teria que enfrentar, por mais fortes que fossem os rancores que atraísse contra si. Afinal, a atividade política, tal como arquitetara, era uma prática do homem livre de freios extraterrenos, do homem sujeito da história. Esta prática exigia virtú, o domínio sobre a fortuna.

Para pensar a virtú e a fortuna mais uma vez Maquiavel recorre aos ensinamentos dos historiadores clássicos, buscando contrapô-los aos preceitos dominantes na Itália seiscentista. Para os antigos, a Fortuna não era uma força maligna inexorável. Ao contrário, sua imagem era a de uma deusa boa, uma aliada potencial, cuja simpatia era importante atrair. Esta deusa possuía os bens que todos os homens desejavam: a honra, a riqueza, a glória, o poder. Mas como fazer para que a deusa Fortuna nos favorecesse e não a outros, perguntavam-se os homens da antiguidade clássica? Era imprescindível seduzi-la, respondiam. Como se tratava de uma deusa que era também mulher, para atrair suas graças era necessário mostrar-se um homem de verdadeira virilidade, de inquestionável coragem. Assim, o homem que possuísse virtú no mais alto grau seria beneficiado com os presentes da cornucópia da Fortuna. Esta visão foi inteiramente derrotada com o triunfo do cristianismo. A boa deusa, disposta a ser seduzida, foi substituída por um "poder cego", inabalável, fechado a qualquer influência, que distribui seus bens de forma indiscriminada. A Fortuna não tem mais como símbolo a cornucópia, mas a roda do tempo, que gira indefinidamente sem que se possa descobrir o seu movimento. Nessa visão, os bens valorizados no período clássico nada são. O poder, a honra, a riqueza ou a glória não significam felicidade. Esta não se realiza no mundo terreno. O destino é uma força da providência divina e o homem sua vítima impotente. Maquiavel inicia o penúltimo capítulo de O príncipe referindo-se a esta crença na fatalidade e à impossibilidade dos homens alterarem o seu curso. Chega, inclusive, com certa ironia, a afirmar que se inclinou a concordar com essa opinião. No entanto, o desenrolar de sua exposição mostra-nos, com toda clareza, que se trata de uma concordância meramente estratégica. Concorda para poder desenvolver os argumentos da discordância. Assim, após admitir o império absoluto da Fortuna, reserva, poucas linhas a seguir, ao livre-arbítrio pelo menos o domínio da metade das ações humanas. E termina o capítulo demonstrando a possibilidade da virtú conquistar a fortuna.

Assim, Maquiavel monta um cenário no qual a liberdade do homem é capaz de amortecer o suposto poder incontrastável da Fortuna. Ou melhor dizendo, ao se indagar sobre a possibilidade de se fazer uma aliança com a Fortuna, esta não é mais uma força impiedosa, mas uma deusa boa, tal como era simbolizada pelos antigos. Ela é mulher, deseja ser seduzida e está sempre pronta a entregar-se aos homens bravos, corajosos, aqueles que demonstram ter virtú. Não cabe nesta imagem a ideia da virtude cristã que prega uma bondade angelical alcançada pela libertação das tentações terrenas, sempre à espera de recompensas no céu. Ao contrário, o poder, a honra e a glória, típicas tentações mundanas, são bens perseguidos e valorizados. O homem de virtú pode consegui-los e por eles luta. Dessa forma, o poder que nasce da própria natureza humana e encontra seu fundamento na força é redefinido. Não se trata mais apenas da força bruta, da violência, mas da sabedoria no uso da força, da utilização virtuosa da força. O governante não é, pois, simplesmente o mais forte — já que este tem condições de conquistar mas não de se manter no poder —, mas sobretudo o que demonstra possuir virtú, sendo assim capaz de manter o domínio adquirido e se não o amor, pelo menos o respeito dos governados.

A partir destas variáveis pode-se retornar, mais uma vez, ao início de O príncipe e dar um novo significado à distinção aparentemente formal entre os principados hereditários e os novos. Maquiavel sublinha que o poder se funda na força mas é necessário virtú para se manter no poder; mais nos domínios recém-adquiridos do que naqueles há longo tempo acostumados ao governo de um príncipe e sua família.

No entanto, nem mesmo o principado hereditário é seguro. Sua advertência — não há garantias de que o domínio permaneça — vale para todas as formas de organização do poder. Um governante virtuoso procurará criar instituições que "facilitem" o domínio. Consequentemente, sem virtú, sem boas leis, geradoras de boas instituições, e sem boas armas, um poder rival poderá impor-se. Destes constrangimentos não escapam nem mesmo os principados hereditários que pareciam a princípio tão seguros. Afora isto, como sustentar a radical distinção entre os principados antigos e os novos, se ambos têm igual origem — a força? A força explica o fundamento do poder, porém é a posse de virtú a chave por excelência do sucesso do príncipe. Sucesso este que tem uma medida política: a manutenção da conquista. O governante tem que se mostrar capaz de resistir aos inimigos e aos golpes da sorte, "construindo diques para que o rio não inunde a planície, arrasando tudo o que encontra em seu caminho". O homem de virtú deve atrair os favores da cornucópia, conseguindo, assim, a fama, a honra e a glória para si e a segurança para seus governados. É desta perspectiva que ganha um novo sentido a discussão sobre as qualidades do príncipe. Este deveria ser bom, honesto, liberal, cumpridor de suas promessas, conforme rezam os mandamentos da virtude cristã? Maquiavel é incisivo: há vícios que são virtudes. Não tema pois o príncipe que deseje se manter no poder "incorrer no opróbrio dos defeitos mencionados, se tal for indispensável para salvar o Estado". (O príncipe, cap. XV). Os ditames da moralidade convencional podem significar sua ruína. Um príncipe sábio deve guiar-se pela necessidade — "aprender os meios de não ser bom e a fazer uso ou não deles, conforme as necessidades". Assim, a qualidade exigida do príncipe que deseja semanter no poder é sobretudo a sabedoria de agir conforme as circunstâncias. Devendo, contudo, aparentar possuir as qualidades valorizadas pelos governados. O jogo entre a aparência e a essência sobrepõe-se à distinção tradicional entre virtudes e vícios. A virtú política exige também os vícios, assim como exige o reenquadramento da força. O agir virtuoso é um agir como homem e como animal. Resulta de uma astuciosa combinação da virilidade e da natureza animal. Quer como homem, quer como leão (para amedrontar os lobos), quer como raposa (para conhecer os lobos), o que conta é "o triunfo das dificuldades e a manutenção do Estado. Os meios para isso nunca deixarão de ser julgados honrosos, e todos os aplaudirão"{O príncipe, cap. XVIII).

A política tem uma ética e uma lógica próprias. Maquiavel descortina um horizonte para se pensar e fazer política que não se enquadra no tradicional moralismo piedoso. A resistência à aceitação da radicalidade de suas proposições é seguramente o que dá origem ao "maquiavélico". A evidência fulgurante deste adjetivo acaba velando a riqueza das descobertas substantivas. O mito, uma constante em sua obra, é falado para ser desmistificado. Maquiavel não o aceita como quer a tradição — algo naturalizado e eterno. Recupera no mito as questões que aí jaziam adormecidas e pacificadas. E, ao fazer isto, subverte as concepções acomodadas, de há muito estabelecidas, instaurando a modernidade no pensar a política. Ora, desmistificar tem sempre um alto risco. O cidadão florentino pagou-o em vida e sua morte não lhe trouxe o descanso do esquecimento. Transformado em mito, é novamente vitimizado. O pensamento político moderno e critico, para decifrar o enigma proposto em sua obra, precisa resgatá-lo sem preconceitos e em sua verità effettuale. É o que se deve a Nicolau Maquiavel, o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtú.




quinta-feira, 10 de julho de 2014

Thomas Hobbes: O Lobo do Homem

O governo central seria uma espécie de monstro - o Leviatã 

Podemos entender por que Hobbes é, com Maquiavel e em certa medida Rousseau, um dos pensadores mais "malditos" da história da filosofia política - pois, no século XVII, o termo "hobbista", é quase tão ofensivo quanto "maquiavélico". Não é só porque apresenta o Estado como monstruoso, e o homem como belicoso, rompendo com a confortadora imagem aristotélica do bom governante e do indivíduo de boa natureza. Não é só porque subordina a religião ao poder político. Mas é também porque nega um direito natural ou sagrado do indivíduo à propriedade.

No seu tempo, e ainda hoje, a burguesia vai procurar fundar a propriedade privada num direito anterior e superior ao Estado: por isso ela endossará Locke, dizendo que a finalidade do poder público consiste em proteger a propriedade. Um direito aos bens que dependa do beneplácito do governante vai frontalmente contra a pretensão da burguesia a controlar, enquanto classe, o poder de Estado; e, como isso é o que vai acontecer na Inglaterra após a Revolução Gloriosa (1688), o pensamento hobbesiano não terá campo de aplicação em seu próprio país, nem em nenhum outro.

O resultado pode parecer frustrante, para um pensador que escreveu as três versões de sua filosofia política enquanto o seu país vivia terrível guerra civil (De corpore politico, 1640; De cive, 1642; Leviatã, 1651), e considerava que esses livros ofereciam a única base para fundar um Estado que desse, aos homens, não apenas a sobrevivência, mas a melhor condição material - paz e conforto.

"A ciência política não é mais antiga que meu livro De cive", disse Hobbes, desqualificando em especial o pensamento aristotélico, então ainda dominante, mas que para ele era sem medita a tamanha grosseria ali exposta, na obra de Aristóteles, de tal modo que não poderia sequer ser considerada ciência politica. E apesar da inúmeras criticas feita a teoria de Hobbes, ainda hoje ele é um pensador importantíssimo para a ciência politica, pois ele tal como Maquiavel, foi um dos primeiros que indicou um caminho a ser percorrido, numa tentativa de avaliar as coisas tais como são e não como gostaríamos que fosse, e a partir dai fundamenta um Estado com base nessas premissas. 

Hobbes: o medo e a esperança
Hobbes é um contratualista, quer dizer, um daqueles filósofos que, entre o século XVI e o XVIII (basicamente), afirmaram que a origem do Estado e/ou da sociedade está num contrato: os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização - que somente surgiriam depois de um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de convívio social e de subordinação política.

Sir Henry Maine - por exemplo - criticou-os asperamente:  Seria impossível, dizia ele, selvagens que nunca tiveram contato social dominarem a tal ponto a linguagem, conhecerem uma noção jurídica tão abstrata quanto a de contrato, para que pudessem se reunir nas clareiras das florestas e fazerem um pacto social. Na verdade, o contrato só é possível quando há noções que nascem de uma longa experiência da vida em sociedade - Mas é preciso ver que erro Maine cometeu: Raro, ou nenhum, contratualista pensou que selvagens isolados se juntam numa clareira para fazer um simulacro de constituinte. Voltaremos a isso depois, por ora, tenha isso em mente: o homem natural de Hobbes não é um selvagem. É o mesmo homem que vive em sociedade. Melhor dizendo, a natureza do homem não muda conforme o tempo, ou a história, ou a vida social, para Hobbes, como para a maior parte dos autores de antes do século XVIII, não existe a história entendida como transformadora dos homens. Estes não mudam. É por isso que Hobbes, e outros, citam os gregos e romanos quando querem conhecer ou exemplificar algo sobre o homem, mesmo e seu tempo.

Mas, afinal como o homem é naturalmente para Hobbes? Segundo ele "A natureza fez os homens tão iguais, quanto ás capacidades do corpo (físico) e do espírito (intelectualmente), que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isso em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a si próprio que outro também não possa aspirar. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo. E Quanto ás faculdades do espírito ele encontra entre os homens uma igualdade ainda maior do que a igualdade de força. Porque ás faculdades de espirito  nada mais é do que experiência, que um tempo igual igualmente oferece a todos os homens, naquelas coisas a que igualmente se dedicam.

Para Hobbes, o que talvez possa tornar inaceitável essa ideias entre os homens, é que essa igualdade é simplesmente a concepção vaidosa da própria sabedoria, a qual quase todos os homens supõe possuir em maior grau do que o vulto; quer dizer, em maior grau do que todos menos eles próprios, e alguns outros que, ou devido à fama ou devido a concordarem com eles, merecem sua aprovação. Pois a natureza dos homens é tal que, embora sejam capazes de reconhecer em muitos outros maior inteligência, maior eloquência ou maior saber, dificilmente acreditam que haja muitos tão sábios como eles próprios; porque vêem sua própria sabedoria bem de perto, e a dos outros homens à distância. Mas isto prova que os homens são iguais quanto a esse ponto, e não que sejam desiguais.

É importante ressaltar que ele não afirma que os homens são absolutamente iguais, mas que são "tão iguais que...": iguais o bastante para que nenhum possa triunfar de maneira total sobre outro.

Todo homem é opaco aos olhos de seu semelhante - eu não sei o que o outro deseja, e por isso tenho que fazer uma suposição de qual será a sua atitude mais prudente, mais razoável. Como ele também não sabe o que quero, também é forçado a supor o que farei. Dessa suposições recíprocas, decorre que geralmente o mais razoável para cada um é atacar o outro, ou para vencê-lo, ou simplesmente para evita um ataque possível: assim a guerra se generaliza entre os homens. Por isso, se não há um Estado controlando e reprimindo, fazer a guerra contra os outros é a atitude mais racional que eu posso adotar.  É preciso enfatizar esse ponto, para ninguém pensar que o "homem lobo do homem", em guerra contra todos, é um anormal; suas ações e cálculos são os únicos racionais, no estado de natureza para Hobbes.

Da igualdade quanto à capacidade de força e de espirito deriva a igualdade quanto á esperança de atingirmos nossos fins. Portanto se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que é principalmente sua própria conservação, e às vezes apenas seu deleite) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro.

E disto se segue quando um invasor nada mais tem a recear do poder de um único outro homem, ou seja, se alguém planta, semeia, constrói ou possui um lugar conveniente, é provavelmente de esperar que outros venham preparados com forças conjugadas, para desapossá-lo e privá-lo, não apenas do fruto de seu trabalho, mas também de sua vida e de sua liberdade. Por sua vez, o invasor ficará no mesmo perigo em relação aos outros. E contra esta desconfiança de uns em relação aos outros, nenhuma maneira de se estar  garantido é tão razoável como a antecipação; isto é, pela força ou pela astúcia, subjugar as pessoas de todos os homens que puder, durante o tempo necessário para chegar ao momento em que não veja qualquer outro poder suficientemente grande para ameaçá-lo, atacando primeiro antes de ser atacado. E isto não é mais do que sua própria conservação exige, conforme é geralmente admitido. Também por causa de alguns que, comprazendo-se em contemplar seu próprio poder nos atos de conquista, levam estes atos mais longe do que sua segurança exige, se outros que, do contrário, se contentariam em manter-se tranqüilamente dentro de modestos limites, não aumentarem seu poder por meio de invasões, eles serão incapazes de subsistir durante muito tempo, se se limitarem apenas a uma atitude de defesa. Consequentemente esse aumento do domínio sobre os homens, sendo necessário para a conservação de cada um, deveria ser por todos admitido.

E dessa forma, os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito, porque cada um pretende que seu companheiro lhe atribua o mesmo valor que ele se atribui a si próprio, e ainda de modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição, segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória. A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a segurança; e a terceira, a reputação. Os primeiros usam a violência para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos outros homens; os segundos, para defende-se por antecipação ou por segurança; e os terceiros por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome.

Com isto se torna manifesto que durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, em ordem eles se encontrarão naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida e provável, portanto, para Hobbes, a noção de tempo deve ser levada em conta quanto á natureza da guerra, do mesmo modo que quanto à natureza do clima. Porque tal como a natureza do mau tempo não consiste em dois ou três chuviscos, mas numa tendência para chover que dura vários dias seguidos, assim também a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário.

Hobbes tem perfeita consciência de que essa definição há de chocar seus leitores, que se prendem à definição aristotélica do homem como zoon politikon, animal social. Para Aristóteles, o homem naturalmente vive em sociedade, e só desenvolve todas as suas potencialidades dentro do Estado. Esta é a convicção da maioria das pessoas, que preferem fechar os olhos à tensão que há na convivência com os demais homens, e conceber a relação social como harmônica. Por isso Hobbes acrescenta um apelo á experiência pessoal:

“Que seja, portanto, a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir fecha suas portas; que mesmo quando está em casa tranca seus cofres; e isto mesmo sabendo que existem leis e funcionários públicos armados, prontos a vingar qualquer injúria que lhe possa ser feita. Então que opinião tem ele de seus compatriotas, ao viajar armado; de seus concidadãos, ao fechar suas portas; e de seus filhos e servidores, quando tranca seus cofres? Não significa isso acusar tanto a humanidade com seus atos como eu o faço com minhas palavras? Mas nenhum de nós acusa com isso a natureza humana.” - O que Hobbes pede, então, é um exame de consciência: - "conhece-te a ti mesmo".

Estamos carregados de preconceitos que vêm basicamente de Aristóteles e da filosofia escolástica medieval. Mas o mito de que o homem é sociável por natureza nos impede de identificar onde está o conflito, e de contê-lo. A política só será uma ciência se soubermos como o homem é de fato, e não na ilusão; e só com a ciência política será possível construirmos Estados que se sustentem, em vez de tornarem permanente a guerra civil.

Há um ditado que ultimamente tem sido muito usado; que a sabedoria não se adquire pela leitura dos livros, mas do homem. Em consequência do que aquelas pessoas, que regra geral são incapazes de apresentar outras provas de sua sabedoria, comprazem-se em mostrar o que pensam ter lido nos homens, através de impiedosas censuras que fazem umas às outras, por trás das costas. Mas há um outro ditado que ultimamente não tem sido compreendido, graças ao qual os homens poderiam realmente aprender a ler-se uns aos outros, se se dessem ao trabalho de fazê-lo: isto é, Nosce te ipsum, "Lê-te a ti mesmo". Ensinar-nos que, a partir da semelhança entre os pensamentos e paixões dos diferentes homens, quem quer que olhe para dentro de si mesmo, e examine o que faz quando pensa, opina, raciocina, espera, receia etc., e por que motivos o faz, poderá por esse meio ler e conhecer quais são os pensamentos e paixões de todos os outros homens, em circunstâncias idênticas. Refiro-me á semelhança das paixões, que são as mesmas em todos os homens, desejo, medo, esperança etc., e não à semelhança dos objetos das paixões, que são as coisas desejadas, temidas, esperadas etc.

A constituição individual e a educação de cada um são tão variáveis, e são tão fáceis de ocultar a nosso conhecimento, que os caracteres do coração humano, emaranhados e confusos como são, devido à dissimulação, à mentira, ao fingimento e às doutrinas errôneas, só se tornam legíveis para quem investiga os corações. E, embora por vezes descubramos os desígnios dos homens através de suas ações, tentar fazê-lo sem compará-las com as nossas, distinguindo todas as circunstâncias capazes de alterar o caso, é o mesmo que decifrar sem ter uma chave, e deixar-se o mais das vezes enganar, quer por excesso de confiança ou por excesso de desconfiança, conforme aquele que lê seja um bom ou um mau homem. Mas mesmo que um homem seja capaz de ler perfeitamente um outro através de suas ações, isso servir-lhe-á apenas com seus conhecidos, que são muito poucos. Aquele que vai governar uma nação inteira deve ler, em si mesmo, não este ou aquele indivíduo em particular, mas o gênero humano. O que é coisa difícil, mais ainda do que aprender qualquer língua ou qualquer ciência, mas ainda assim, depois de eu ter exposto claramente e de maneira ordenada minha própria leitura, o trabalho que a outros caberá será apenas verificar se não encontram o mesmo em si próprios. Pois esta espécie de doutrina não admite outra demonstração, explica Hobbes no livro o Leviatã .

Como por fim a esse conflito?
Para Hobbes, o homem é o indivíduo. Mas atenção, antes de falarmos em individualismo burguês. O indivíduo hobbesiano não almeja tanto os bens, mas a honra. Entre as causas da violência, uma das principais reside na busca da glória, quando os homens se batem "por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome. A honra é o valor atribuído a alguém em função das aparências externas.

O homem hobbesiano não é então um homo oeconomicus, porque seu maior interesse não está em produzir riquezas, nem mesmo em pilhá-las. O mais importante para ele é ter os sinais de honra, entre os quais se inclui a própria riqueza (mais como meio, do que como fim em si). Quer dizer que o homem vive basicamente de imaginação. Ele imagina ter um poder, imagina ser respeitado - ou ofendido - pelos semelhantes, imagina o que o outro vai fazer. Da imaginação - e neste ponto Hobbes concorda com muitos pensadores do século XVII e XVIII - decorrem perigos, porque o homem se põe a fantasiar o que é irreal. O estado de natureza é uma condição de guerra, porque cada um se imagina (com razão ou sem) poderoso, perseguido, traído.

Como pôr termo a esse conflito? Há uma base jurídica para isso; depois do direito de natureza (o direito que todos tem, independente de qualquer coisa externa que os proíba, como o Estado e etc, Direito Natural), Hobbes define o que é a lei de natureza (é aquilo que o Estado estipula como adequado para a sobrevivência do homem, segundo o entendimento do governante, Direito Positivo) :

"Uma lei de natureza (lex naturalis) é um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la, ou omitir aquilo que pense poder contribuir melhor para preservá-la. Porque embora os que têm tratado deste assunto costumem confundir o direito e a lei, é necessário distingui-los um do outro. Pois o direito consiste na liberdade de fazer ou de omitir algo, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas (fazer ou omitir). De modo que a lei e o direito se distinguem tanto como a obrigação e a liberdade, as quais são incompatíveis quando se referem à mesma matéria.

Assim, para Hobbes, todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros. Mas a partir disso é necessário haver uma lei que proíba certos ou autorize certos direitos.

Portanto, enquanto perdurar este direito de cada homem a todas as coisas, não poderá haver para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza permite aos homens viver. Consequentemente é um preceito ou regra geral da razão, Que todo homem deve esforçar-se pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra. A primeira parte desta regra encerra a lei primeira e fundamental de natureza, isto é, procurar a paz, e segui-la. A segunda encerra a suma do direito de natureza, isto é, por todos os meios que pudermos, defendermo-nos a nós mesmos.

Desta lei fundamental de natureza, mediante a qual se ordena a todos os homens que procurem a paz, deriva esta segunda lei: Que um homem concorde, quando outros também o façam, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo.

Porque enquanto cada homem detiver seu direito de fazer tudo quanto queira todos os homens se encontrarão numa condição de guerra. Mas se os outros homens não renunciarem a seu direito, assim como ele próprio, nesse caso não há razão para que alguém se prive do seu, pois isso equivaleria a oferecer-se como presa, e não a dispor-se para a paz.

Mas não basta o fundamento jurídico. É preciso que exista um Estado dotado da espada, armado, para forçar os homens ao respeito. Desta maneira, aliás, a imaginação será regulada melhor, porque cada um receberá o que o soberano determinar. Porque as leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam) por si mesmas, na ausência do temor de algum poder capaz de levá-las a ser respeitadas, são contrárias a nossas paixões naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes. Os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de respeitá-las), se não for instituído um poder suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiará apenas em sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros.

Em todos os lugares onde os homens viviam em pequenas famílias, roubar-se e espoliar-se uns aos outros sempre foi uma ocupação legítima, e tão longe de ser considerada contrária à lei de natureza que quanto maior era a espoliação conseguida maior era a honra adquirida. Para Hobbes, então, o poder do Estado tem que ser pleno. O Estado medieval não conhecia poder absoluto, nem soberania - os poderes do rei eram contrabalançados pelos da nobreza, das cidades e dos Parlamentos. Jean Bodin, no século XVI, é o primeiro teórico a afirmar que no Estado deve haver um poder soberano, isto é, um foco de autoridade que possa resolver todas as pendências e arbitrar qualquer decisão. Hobbes desenvolve essa idéia, e monta um Estado que é condição para existir a própria sociedade. A sociedade nasce com o Estado, ou seja, para Hobbes a única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferindo toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. - Até esse ponto poucos doutrinadores fundamentara a soberania estatal melhor do que Hobbes, devido a isto, sua importância para a ciência politica é se torna notória.

Funcionamento Estatal Hobbesiano.  
Continuando aqui ainda a teoria hobbesiana: Designar um homem ou uma assembleia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito á paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas decisões à sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.

Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, ou em latim civitas. É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum.

Aquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes são súditos." Por isso, o poder do governante tem que ser ilimitado. Pois, se ele sofrer alguma limitação, se o governante tiver de respeitar tal ou qual obrigação (por exemplo, tiver que ser justo) - então quem irá julgar se ele está sendo ou não justo? Quem julgar terá também o poder de julgar se o príncipe continua príncipe ou não - e portanto será, ele que julga, a autoridade suprema. Ou seja, para Hobbes não há alternativa: ou o poder é absoluto, ou continuamos na condição de guerra, entre poderes que se enfrentam. Para montar o poder absoluto, Hobbes concebe um contrato diferente, sui generis. Observemos que o soberano não assina o contrato - este é firmado apenas pelos que vão se tornar súditos, não pelo beneficiário. Por uma razão simples: no momento do contrato não existe ainda soberano, que só surge devido ao contrato. Disso resulta que ele se conserva fora dos compromissos, e isento de qualquer obrigação.

É desta instituição do Estado que derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder soberano é conferido mediante o consentimento do povo reunido. Em primeiro lugar, na medida em que pactuam, deve entender-se que não se encontram obrigados por um pacto anterior a qualquer coisa que contradiga o atual. Consequentemente, aqueles que já instituíram um Estado, dado que são obrigados pelo pacto a reconhecer como seus os atos e decisões de alguém, não podem legitimamente celebrar entre si um novo pacto no sentido de obedecer a outrem, seja no que for, sem sua licença. Portanto, aqueles que estão submetidos a um monarca não podem sem licença deste renunciar à monarquia, voltando á confusão de uma multidão desunida. Por outro lado, cada homem conferiu a soberania àquele que é portador de sua pessoa, portanto se o depuserem estarão tirando-lhe o que é seu, o que também constitui injustiça. Além do mais, se aquele que tentar depor seu soberano for morto, ou por ele castigado devido a essa tentativa, será o autor de seu próprio castigo, dado que por instituição é autor de tudo quanto seu soberano fizer. E, dado que constitui injustiça alguém fazer coisa devido à qual possa ser castigado por sua própria autoridade, também a esse título ele estará sendo injusto, dado que o direito de representar a pessoa de todos é conferido ao que é tornado soberano mediante um pacto celebrado apenas entre cada um e cada um, e não entre o soberano e cada um dos outros, não pode haver quebra do pacto a parte do soberano, portanto nenhum dos súditos pode libertar-se da sujeição, sob qualquer pretexto de infração.

E ainda segundo Hobbes, se a maioria, por voto de consentimento, escolher um soberano, os que tiverem discordado devem passar a consentir juntamente com os restantes. Ou seja, devem aceitar e reconhecer todos os atos que ele venha a praticar, ou então serem justamente destruídos pelos restantes. Aquele que voluntariamente ingressou na congregação dos que constituíam a assembléia, declarou suficientemente com esse ato sua vontade (e portanto tacitamente fez um pacto) de se conformar ao que a maioria decidir. Portanto, se depois recusar aceitá-la, ou protestar contra qualquer de seus decretos, age contrariamente ao pacto, isto é, age injustamente. E quer faça parte da congregação, quer não faça, e que seu consentimento seja pedido, quer não seja, ou terá que submeter-se a seus decretos ou será deixado na condição de guerra em que antes se encontrava, e na qual pode, sem injustiça, ser destruído por qualquer um.. Dado que todo súdito é por instituição autor de todos os atos e decisões do soberano instituído, segue-se que nada do que este faça pode ser considerado injúria para com qualquer de seus súditos, e que nenhum deles pode acusá-lo de injustiça. Pois quem faz alguma coisa em virtude da autoridade de um outro não pode nunca causar injúria àquele em virtude de cuja autoridade está agindo.

Por esta instituição de um Estado, cada indivíduo é autor de tudo quanto o soberano fizer, por consequência aquele que se queixar de uma injúria feita por seu soberano estar-se-á queixando daquilo de que ele próprio é autor, portanto não deve acusar ninguém a não ser a si próprio; e não pode acusar-se a si próprio de injúria, pois causar injúria a si próprio é impossível. É certo que os detentores do poder soberano podem cometer iniquidades, mas não podem cometer injustiça nem injúria em sentido próprio, e em consequência do que foi dito por último, aquele que detém o poder soberano não pode justamente ser morto, nem de qualquer outra maneira pode ser punido por seus súditos. Dado que cada súdito é autor dos atos de seu soberano, cada um estaria castigando outrem pelos atos cometidos por si mesmo."

A questão da Igualdade e liberdade
Nesse Estado, em que o poder é absoluto - perguntará o leitor - que papel caberão à liberdade e á igualdade, estes grandes valores que aprendemos a respeitar? Ora, o que Hobbes faz é justamente desmontar o valor retórico que atribuímos a palavras capazes de gerar tanto entusiasmo, tanta ambição, descontentamento e guerra. A igualdade, já vimos, é o fator que leva à guerra de todos, dizendo que os homens são iguais, Hobbes não faz uma proclamação revolucionária contra o Antigo Regime (como fará a Revolução Francesa: "Todos os homens nascem livres e iguais..."), simplesmente afirma que dois ou mais homens podem querer a mesma coisa, e por isso todos vivemos em tensa competição.

E a liberdade? Hobbes vai defini-la de modo que também deixa de ser um valor. Liberdade significa, em sentido próprio, a ausência de oposição (entendendo por oposição os impedimentos externos do movimento); e não se aplica menos ás criaturas irracionais e inanimadas do que às racionais. Porque de tudo o que estiver amarrado ou envolvido de modo a não poder mover-se senão dentro de um certo espaço, sendo esse espaço determinado pela oposição de algum corpo externo, dizemos que não tem liberdade de ir mais além. E o mesmo se passa com todas as criaturas vivas, quando se encontram presas ou limitadas por paredes ou cadeiras; e também das águas, quando são contidas por diques ou canais, e se assim não fosse se espalhariam por um espaço maior, costumamos dizer que não têm a liberdade de se mover da maneira que fariam se não fossem esses impedimentos externos. Mas quando o que impede o movimento faz parte da constituição da própria coisa não costumamos dizer que ela não tem liberdade, mas que lhe falta o poder de se mover; como quando uma pedra está parada, ou um homem se encontra amarrado ao leito pela doença. Conformemente a este significado próprio e geralmente aceito da palavra, um homem livre é aquele que, naquelas coisas que graças a sua força e engenho é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer", ou seja, Hobbes começa reduzindo a liberdade a uma determinação física, aplicável a qualquer corpo. Com isso ele praticamente elimina o valor (a seu ver retórico) da liberdade como um clamor popular, como um princípio pelo qual homens lutam e morrem. Segundo ele é coisa fácil os homens se deixarem iludir pelo especioso nome de liberdade e, por falta de capacidade de distinguir, tomarem por herança pessoal e direito inato seu aquilo que é apenas direito do Estado. E quando o mesmo erro é confirmado pela autoridade de autores reputados por seus escritos sobre o assunto, não é de admirar que ele provoque sedições e mudanças de governo.

Resta, porém, uma liberdade ao homem. Hobbes explica que quando o indivíduo firmou o contrato social, renunciou ao seu direito de natureza, isto é, ao fundamento jurídico da guerra de todos. É que, neste direito, o meio (fazer o que julgasse mais conveniente) contradizia o fim (preservar a própria vida). O homem percebeu que, como todos tinham esse direito tanto quanto ele, o resultado só podia ser a guerra - "e a vida do homem [era] solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta".  Mas, dando poderes ao soberano, a fim de instaurar a paz, o homem só abriu mão de seu direito para proteger a sua própria vida. Se esse fim não for atendido pelo soberano, o súdito não lhe deve mais obediência - não porque o soberano violou algum compromisso (isso é impossível, pois o soberano não prometeu nada), mas simplesmente porque desapareceu a razão que levava o súdito a obedecer. Esta é a "verdadeira liberdade do súdito". Este ponto é delicado, e devemos insistir nele. O soberano não perde a soberania se não atende aos caprichos de cada súdito. Mas, se deixa de proteger a vida de determinado indivíduo, este indivíduo (e só ele) não lhe deve mais sujeição. Os outros não podem aliar-se ao desprotegido, porque o governante continua a protegê-los. E pouco importa se o soberano fere o (ex-) súdito tendo ou não razão (afinal, repetimos, ninguém pode julgar o soberano). O soberano não está atado pelas leis humanas de justiça, por isso, de seu ponto de vista, não há diferença em ele castigar um culpado ou agredir um inocente. Já o súdito, se é súdito, é porque prometeu obedecer a fim de não morrer na guerra generalizado; por isso, de seu ponto de vista tanto faz a sua vida ser ameaçada por um soberano impiedoso e iníquo, quanto por um governante que o julgou concedendo-lhe a mais ampla defesa. O que temos, em todos os casos, é o mesmo esquema: um governante que fere e, por isso, um súdito que recupera sua liberdade natural.

O Estado, e a propriedade
O desconforto de sua doutrina, em grande parte, deve-se à propriedade. A sociedade burguesa, que no tempo de Hobbes já luta para se afirmar, estabelece a autonomia do proprietário para fazer com seu bem o que bem entenda. Na Idade Média, a propriedade era um direito limitado, porque havia inúmeros costumes e obrigações que a controlavam. Por exemplo, o senhor de terras não podia impedir o pobre de colher espigas, ou frutas, na proporção necessária para saciar a fome. Se havia um servo ligado à gleba, nem este podia deixá-la, nem o senhor podia expulsá-lo para dar outro uso à terra. Mas, nos tempos modernos, o proprietário adquire o direito não só ao uso do bem e a seus frutos (que somam-se na palavra usufruto), como também ao abuso: isto é, o direito de alienar o bem, de destruí-lo, vendê-lo ou dá-lo. Hobbes reconhece o fim das velhas limitações feudais à propriedade - e nisso ele está de acordo com as classes burguesas, empenhadas em acabar com os direitos das classes populares à terra comunal ou privada - mas, ao mesmo tempo, estabelece um limite muito forte à pretensão burguesa de autonomia: todas as terras e bens devem ser controladas pelo soberano.

"A distribuição dos materiais dessa nutrição é a constituição do meu, do teu e do seu. Isto é, numa palavra, da propriedade. E em todas as espécies de Estado é da competência do poder soberano. Porque onde não há Estado, conforme já se mostrou, há uma guerra perpétua de cada homem contra seu vizinho, na qual portanto cada coisa é de quem a apanha e conserva pela força, o que não é propriedade nem comunidade, mas incerteza. O que é a tal ponto evidente que até Cícero (um apaixonado defensor da liberdade), numa arenga pública, atribuiu toda propriedade às leis civis: "Se as leis civis",, disse ele, "alguma vez forem abandonadas, ou negligentemente conservadas (para não dizer oprimidas), não haverá nada mais que alguém possa estar certo de receber de seus antepassados, ou deixar a seus filhos". E também: "suprimi as leis civis, e ninguém mais saberá o que é seu e o que é dos outros". Visto portanto que a introdução da propriedade é um efeito do Estado, que anda pode fazer a não ser por intermédio da pessoa que o representa, ela só pode ser um ato do soberano, e consiste em leis que só podem ser feitas por quem tiver o poder soberano. Bem o sabiam os antigos, que chamavam Nómos (quer dizer, distribuição) ao que nós chamamos lei, e definiam a justiça como a distribuição a cada um do que é seu”.


 
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