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“Ninguém pode ser chamado para estabelecer o que é necessário para que alguém seja feliz.” |
Na década de 1930, à esquerda nos
asseverava que tínhamos de escolher entre o comunismo e o fascismo: eram as
únicas alternativas disponíveis. Agora, no âmbito da ciência econômica
norte-americana contemporânea, pretende-se que optemos entre os monetaristas do
“mercado livre” e os keynesianos. Além disto, espera-se que atribuamos grande
importância a fatores tais como a exata quantia em que o governo federal
deveria expandir a oferta de moeda ou o montante preciso do déficit federal.
Quase
ninguém leva em conta esta terceira alternativa: a eliminação de qualquer
influência ou controle do governo sobre a oferta de moeda ou, até mesmo, sobre
toda e qualquer parte do sistema econômico. Aí está a trilha desprezada do
verdadeiro mercado livre, a trilha que um notável e solitário economista,
disposto ao combate e de fascinante criatividade – ludwig von Mises – desbravou
e propugnou ao longo de toda a sua vida.
Mises
juntamente com outros teóricos liberais em seus livros Socialism, de
Ludwig von Mises; Austrian Perspective on the History of Economic Thought,
de Murray N. Rothbard; e Democracia - o Deus que falhou, de Hans-Hermann
Hoppe. Em razão justamente da Escola
Austríaca fizeram a assim chamada
“refutação cabal do socialismo”.
Nesse breve artigo eis ai um pequeno resumo das principais ideias do
brilhante Mises com suas próprias palavras. Esta pequena resenha de modo algum
faz justiça ao brilhantismo do livro, o qual você deve ler com atenção para
formar suas próprias conclusões. Tudo o que posso dizer é que o livro é
altamente recomendado para todas as pessoas interessadas no tema, e ainda mais
especificamente para aquelas que querem entender o cerne do liberalismo
moderno e das ideias por trás do socialismo e suas consequências.
Breve
Historia do Capitalismo.
Certas expressões usadas pelo povo
são, muitas vezes, inteiramente equivocadas. Assim, atribuem-se a capitães de
indústria e a grandes empresários de nossos dias epítetos como “o rei do
chocolate”, “o rei do algodão” ou “o rei do automóvel”. Ao usar essas expressões, o povo demonstra não ver praticamente nenhuma
diferença entre os industriais de hoje e os reis, duques ou lordes de outrora.
Mas, na realidade, a diferença é enorme, pois um rei do chocolate absolutamente
não rege, ele serve. Esse “rei” precisa se conservar nas boas graças dos seus
súditos, os consumidores: perderá seu “reino” assim que já não tiver condições
de prestar aos seus clientes um serviço melhor e de mais baixo custo que o
oferecido por seus concorrentes.
Duzentos
anos atrás, antes do advento do capitalismo, o status social de um homem
permanecia inalterado do princípio ao fim de sua existência: era herdado dos
seus ancestrais e nunca mudava. Se nascesse pobre, pobre seria para sempre; se
rico – lorde ou duque –, manteria seu ducado, e a propriedade que o
acompanhava, pelo resto dos seus dias. No tocante à manufatura, as primitivas
indústrias de beneficiamento da época existiam quase exclusivamente em proveito
dos ricos. A grande maioria do povo (90% ou mais da população europeia)
trabalhava na terra e não tinha contato com as indústrias de beneficiamento,
voltadas para a cidade. Esse rígido sistema da sociedade feudal imperou, por
muitos séculos, nas mais desenvolvidas regiões da Europa.
A população rural se expandiu e
passou a haver um excesso de gente no campo. Os membros dessa população
excedente, sem terras herdadas ou bens, careciam de ocupação. Também não lhes era possível trabalhar nas
indústrias de beneficiamento, cujo acesso lhes era vedado pelos reis das
cidades. O número desses “párias” crescia incessantemente, sem que todavia
ninguém soubesse o que fazer com eles. Eram, no pleno sentido da palavra,
“proletários”, e ao governo só restava interná-los em asilos ou casas de
correção. Em algumas regiões da Europa, sobretudo nos Países Baixos e na
Inglaterra, essa população tornou-se tão numerosa que, no século XVIII,
constituía uma verdadeira ameaça à preservação do sistema social vigente.
Outro
sério problema era a falta de matérias-primas. Os ingleses eram obrigados a
enfrentar a seguinte questão: que faremos, no futuro, quando nossas florestas
já não nos derem a madeira de que necessitamos para nossas indústrias e para
aquecer nossas casas? Para as classes governantes, era uma situação
desesperadora. Os estadistas não sabiam o que fazer e as autoridades em geral
não tinham qualquer ideia sobre como melhorar as condições.
Foi dessa grave situação social que
emergiram os começos do capitalismo moderno. Dentre aqueles párias, aqueles miseráveis, surgiram pessoas que
tentaram organizar grupos para estabelecer pequenos negócios, capazes de
produzir alguma coisa. Foi uma inovação. Esses inovadores não produziam
artigos caros, acessíveis apenas às classes mais altas, (ao contrario dos
nobres que pagavam salários miseráveis para a produção de itens exclusivamente
para a nobreza) assim, produziam
bens mais baratos, que pudessem satisfazer as necessidades de todos. E foi
essa a origem do capitalismo tal como hoje funciona. Foi o começo da produção
em massa – princípio básico da indústria capitalista.
Enquanto as antigas indústrias de
beneficiamento funcionavam a serviço da gente abastada das cidades, existindo
quase que exclusivamente para corresponder às demandas dessas classes
privilegiadas, as novas indústrias
capitalistas começaram a produzir artigos acessíveis a toda a população. Era a
produção em massa, para satisfazer às necessidades das massas.
Este
é o princípio fundamental do capitalismo tal como existe hoje em todos os
países onde há um sistema de produção em massa extremamente desenvolvido: as empresas de grande porte, alvo dos
mais fanáticos ataques desfechados pelos pretensos esquerdistas, produzem quase
exclusivamente para suprir a carência das massas.
As
empresas dedicadas à fabricação de artigos de luxo, para uso apenas dos
abastados, jamais têm condições de alcançar a magnitude das grandes empresas. E, hoje, os empregados das grandes fábricas
são, eles próprios, os maiores consumidores dos produtos que nelas se fabricam.
Esta é a
diferença básica entre os princípios capitalistas de produção e os princípios
feudalistas de épocas anteriores.
Quando se pressupõe ou se afirma a
existência de uma diferença entre os produtores e os consumidores dos produtos
da grande empresa, incorre-se em grave erro. Nas grandes lojas dos Estados Unidos, ouvimos o slogan: “O cliente tem
sempre razão.” E esse cliente é o mesmo homem que produz, na fábrica, os
artigos à venda naqueles estabelecimentos. Os que pensam que a grande empresa
detém um enorme poder também se equivocam, uma vez que a empresa de grande
porte é inteiramente dependente da preferência dos que lhes compram os
produtos; a mais poderosa empresa perderia seu poder e sua influência se
perdesse seus clientes.
Obviamente, do nosso ponto de
vista, o padrão de vida dos trabalhadores era extremamente baixo. Mas, se as
condições de vida nos primórdios do capitalismo eram absolutamente
escandalosas, não era porque as recém-criadas indústrias capitalistas
estivessem prejudicando os trabalhadores: as pessoas contratadas pelas fábricas
já subsistiam antes em condições praticamente subumanas.
A
velha história, repetida centenas de vezes, de que as fábricas empregavam
mulheres e crianças que, antes de trabalharem nessas fábricas, viviam em
condições satisfatórias, é um dos maiores embustes da história. As mães que
trabalhavam nas fábricas não tinham o que cozinhar: não abandonavam seus lares
e suas cozinhas para se dirigir às fábricas – corriam a elas porque não tinham
cozinhas e, ainda que as tivessem, não tinham comida para nelas cozinharem. E as
crianças não provinham de um ambiente confortável: estavam famintas, estavam
morrendo.
Hoje, nos países capitalistas, há
relativamente pouca diferença entre a vida básica das chamadas classes mais
altas e a das mais baixas: ambas têm alimento, roupas e abrigo. Mas no século XVIII, e nos que o
precederam, o que distinguia o homem da classe média do da classe baixa era o
fato de o primeiro ter sapatos, e o segundo, não. Hoje, nos Estados Unidos, a
diferença entre um rico e um pobre reduz-se muitas vezes à diferença entre um
Cadillac e um Chevrolet. O Chevrolet pode ser de segunda mão, mas presta a seu
dono basicamente os mesmos serviços que o Cadillac poderia prestar, uma vez que
também está apto a se deslocar de um local a outro.
A
Liberdade.
A
livre concorrência não significa que se possa prosperar pela simples imitação
ou cópia exata do que já foi feito por alguém. A
liberdade de imprensa não significa o direito de copiar o que outra pessoa
escreveu, e assim alcançar o sucesso a que o verdadeiro autor fez jus por suas
obras. Mas sim, significa, o direito de escrever outra coisa. A liberdade de
concorrência no tocante às ferrovias, por exemplo, significa liberdade para
inventar alguma coisa que desafie as ferrovias já existentes e as coloque em
situação muito precária de competitividade. Nos Estados Unidos, a
concorrência que se estabeleceu através dos ônibus, automóveis, caminhões e
aviões impôs às estradas de ferro grandes perdas e uma derrota quase absoluta
no que diz respeito ao transporte de passageiros. E podemos afirmar que se a
pessoas não tivessem o direito de se autodeterminar e procurar inovar segundo
seus próprio senso de criatividade, isso jamais teria ocorrido tão rapidamente.
O
desenvolvimento do capitalismo consiste em que cada homem tem o direito de
servir melhor e/ou mais barato o seu cliente. E, num tempo relativamente curto,
esse método, esse princípio, transformou a face do mundo, possibilitando um
crescimento sem precedentes da população mundial. Na
Inglaterra do século XVIII, o território só podia dar sustento a seis milhões
de pessoas, num baixíssimo padrão de vida. Hoje, mais de cinquenta milhões de
pessoas aí desfrutam de um padrão de vida que chega a ser superior ao que
desfrutavam os ricos no século XVIII. E o padrão de vida na Inglaterra de
hoje seria provavelmente mais alto ainda, não tivessem os ingleses dissipado
boa parte de sua energia no que, sob diversos pontos de vista, não foram mais
que “aventuras” políticas e militares evitáveis.
“Sabe que a
população deste planeta é hoje dez vezes maior que nos períodos precedentes ao
capitalismo? Sabe que todos os homens usufruem hoje um padrão de vida mais
elevado que o de seus ancestrais antes do advento do capitalismo? E como você
pode ter certeza de que, se não fosse o capitalismo, você estaria integrando a
décima parte da população sobrevivente? Sua mera existência é uma prova do
êxito do capitalismo, seja qual for o valor que você atribua à própria vida.”
As
investidas contra o capitalismo – especialmente no que se refere aos padrões
salariais mais altos – tiveram por origem a falsa suposição de que os salários
são, em última análise, pagos por pessoas diferentes daquelas que trabalham nas
fábricas. Certamente, nada impede que economistas e estudantes de
teorias econômicas tracem uma distinção entre trabalhador e consumidor. Mas o fato é que todo consumidor tem de
ganhar, de uma maneira ou de outra, o dinheiro que gasta, e a imensa maioria
dos consumidores é constituída precisamente por aquelas mesmas pessoas que
trabalham como empregados nas empresas produtoras dos bens que consomem.
Em muitos países há
quem considere injusto que um homem obrigado a sustentar uma família numerosa
receba o mesmo salário que outro, responsável apenas pela própria manutenção. No
entanto, o problema é não questionar se é ao empresário ou não que cabe assumir
a responsabilidade pelo tamanho da família de um trabalhador. A pergunta que deve ser feita neste
caso é: você, como indivíduo, se
disporia a pagar mais por alguma coisa, digamos, um pão, se for informado de
que o homem que o fabricou tem seis filhos? Uma pessoa honesta por certo
responderia negativamente, dizendo: “Em
princípio, sim. Mas na prática tenderia a comprar o pão feito por um homem sem
filho nenhum.” O fato é que o empregador a quem os compradores não pagam o
suficiente para que ele possa pagar seus empregados se vê na impossibilidade de
levar adiante seus negócios.
Quando alguém acumula certa
quantidade de dinheiro – mil dólares, digamos – e confia esses dólares, em vez
de gastá-los, a uma empresa de poupança ou a uma companhia de seguros,
transfere esse dinheiro para um empresário, um homem de negócios, o que vai
permitir que esse empresário possa expandir suas atividades e investir num
projeto, que na véspera ainda era inviável, por falta do capital necessário. Que fará então o empresário com o capital
recém-obtido? Certamente a primeira coisa que fará, o primeiro uso que dará a
esse capital suplementar será a contratação de trabalhadores e a compra de
matérias-primas – o que promoverá, por sua vez, o surgimento de uma demanda
adicional de trabalhadores e matérias-primas, bem como uma tendência à elevação
dos salários e dos preços dessas matérias-primas. Muito antes que o poupador ou
o empresário tenham obtido algum lucro em tudo isso, o trabalhador desempregado,
o produtor de matérias-primas, o agricultor e o assalariado já estarão
participando dos benefícios das poupanças adicionais.O que o empresário virá ou
não a ganhar com o projeto depende das condições futuras do mercado e de seu
talento para prevê-las corretamente. Mas os trabalhadores, assim como os
produtores de matéria-prima, auferem as vantagens de imediato.
Muito se falou, trinta ou quarenta
anos atrás, sobre a “política salarial” – como a denominavam – de Henry Ford.
Uma das maiores façanhas do Sr. Ford consistia em pagar salários mais altos que
os oferecidos pelas demais indústrias ou fábricas. Sua política salarial foi
descrita como uma “invenção”. Não se
pode, no entanto, dizer que essa nova política “inventada” seja simplesmente um
fruto da liberalidade do Sr. Ford. Um novo ramo industrial – ou uma nova
fábrica num ramo já existente – precisa atrair trabalhadores de outros
empregos, de outras regiões do país e até de outros países. E não há outra
maneira de fazê-lo senão através do pagamento de salários mais altos aos
trabalhadores. Foi o que ocorreu nos primórdios do capitalismo, e é o que
ocorre até hoje.
Se consideramos a história do mundo
– e em especial a história da Inglaterra a partir de 1865 – verificaremos que
Marx estava errado sob todos os aspectos. Não há um só país capitalista em que
as condições do povo não tenham melhorado de maneira inédita. Todos esses
progressos ocorridos nos últimos oitenta ou noventa anos produziram-se a
despeito dos prognósticos de Karl Marx: os socialistas de orientação marxista acreditavam que as condições dos
trabalhadores jamais poderiam melhorar. Adotavam uma falsa teoria, a famosa
“lei de ferro dos salários”. Segundo esta lei, no capitalismo, os salários de
um trabalhador não excederiam a soma que lhe fosse estritamente necessária para
manter-se vivo a serviço da empresa. Os marxistas enunciaram sua teoria da
seguinte forma: se os padrões salariais
dos trabalhadores sobem, com a elevação dos salários, a um nível superior ao
necessário para a subsistência, eles terão mais filhos. Esses filhos, ao
ingressarem na força de trabalho, engrossarão o número de trabalhadores até o
ponto em que os padrões salariais cairão, rebaixando novamente os salários dos
trabalhadores a um nível mínimo necessário para a subsistência – àquele nível
mínimo de sustento, apenas suficiente para impedir a extinção da população
trabalhadora.
Mas essa ideia de Marx, e de muitos
outros socialistas, envolve um conceito de trabalhador idêntico ao adotado –
justificadamente – pelos biólogos que
estudam a vida dos animais. Dos camundongos, por exemplo. Se colocarmos maior
quantidade de alimento à disposição de organismos animais, ou de micróbios,
maior número deles sobreviverá. Se a restringirmos, restringiremos o número
dos sobreviventes. Mas com o homem é diferente. Mesmo o trabalhador – ainda que
os marxistas não o admitam – tem carências humanas outras que as de alimento e
de reprodução de sua espécie. Um aumento
dos salários reais resulta não só num aumento da população; resulta também, e
antes de tudo, numa melhoria do padrão de vida média. É por isso que temos
hoje, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, um padrão de vida superior ao
das nações em desenvolvimento, às da África, por exemplo. Devemos
compreender, contudo, que esse padrão de vida mais elevado fundamenta-se na
disponibilidade de capital. Isso explica a diferença entre as condições
reinantes nos Estados Unidos e as que encontramos na Índia. Neste país foram
introduzidos – ao menos em certa medida – modernos métodos de combate a doenças
contagiosas, cujo efeito foi um aumento inaudito da população. No entanto, como esse crescimento
populacional não foi acompanhado de um aumento correspondente do montante de
capital investido no país, o resultado foi um agravamento da miséria. Quanto
mais se eleva o capital investido por indivíduo, mais próspero se torna o país.
Mas é preciso lembrar que nas políticas econômicas não ocorrem
milagres. Todos leram artigos de
jornal e discursos sobre o chamado milagre econômico alemão – a recuperação da
Alemanha depois de sua derrota e destruição na Segunda Guerra Mundial. Mas não
houve milagre. Houve tão somente a aplicação dos princípios da economia do
livre mercado, dos métodos do capitalismo, embora essa aplicação não tenha sido
completa em todos os pontos. Todo país pode experimentar o mesmo “milagre” de
recuperação econômica, embora eu deva insistir em que esta não é fruto de
milagre: é fruto da adoção de políticas econômicas sólidas, pois que é delas
que resulta. E apenas uma observação, sem liberdade não é possível o
capitalismo, sem as pessoas disporem de seus vontades sem ser impedidos por um
ente estatal não há capitalismo. Assim todo o acima relatado não poderia
ocorrer de nenhuma forma sem a liberdade econômica, sem o livre mercado.
Explicarei melhor no capitulo sobre socialismo onde contrastaremos com o
sistema de modo a entender tais fundamentos e suas implicação praticas.
O
Socialismo.
Que vem a ser economia livre? Que
significa esse sistema de liberdade econômica? A resposta é simples: é a economia de mercado, é o sistema em que a cooperação dos
indivíduos na divisão social do trabalho se realiza pelo mercado. E esse
mercado não é um lugar: é um processo, é a forma pela qual, ao vender e
comprar, ao produzir e consumir, as pessoas estão contribuindo para o
funcionamento global da sociedade.
Quando falamos desse sistema de
organização econômica – a economia de mercado – empregamos a expressão
“liberdade econômica”. Frequentemente as pessoas se equivocam quanto ao seu
significado, supondo que liberdade econômica seja algo inteiramente dissociado
de outras liberdades, e que estas outras liberdades – que reputam mais
importantes – possam ser preservadas mesmo na ausência de liberdade econômica.
Mas liberdade econômica significa, na
verdade, que é dado às pessoas que a possuem o poder de escolher o próprio modo
de se integrar ao conjunto da sociedade. A pessoa tem o direito de escolher sua
carreira, tem liberdade para fazer o que quer. Nada há, na natureza, que
possa ser chamado de liberdade; há apenas a regularidade das leis naturais, a
que o homem é obrigado a obedecer para alcançar qualquer coisa. Quando
se trata de seres humanos, atribuímos à palavra liberdade o significado
exclusivo de liberdade na sociedade. Não
obstante, muitos dos pretensos liberais de nossos dias sustentam a ideia muito
difundida de que as liberdades de expressão, de pensamento, de imprensa, de
culto, de encarceramento sem julgamento podem, todas elas, ser preservadas
mesmo na ausência do que se conhece como liberdade econômica. Não se dão conta
de que, num sistema desprovido de mercado, em que o governo determina tudo,
todas essas outras liberdades são ilusórias, ainda que postas em forma de lei e
inscritas na constituição.
Tomemos como exemplo a liberdade de
imprensa. Se o governo for o dono de todas as máquinas impressoras, o governo
determinará o que deve e o que não deve ser impresso. Nesse caso, a
possibilidade de se publicar qualquer tipo de crítica às ideias oficiais torna-se
praticamente nula. A liberdade de imprensa desaparece. E o mesmo se aplica a
todas as demais liberdades.
Quando há economia de mercado, o
indivíduo tem a liberdade de escolher qualquer carreira que deseje seguir, de
escolher seu próprio modo de inserção na sociedade. Num sistema socialista é diferente: as carreiras são decididas por
decreto do governo. Este pode ordenar às pessoas que não lhe sejam gratas,
àquelas cuja presença não lhe pareça conveniente em determinadas regiões, que
se mudem para outras regiões e outros lugares. E sempre há como justificar e
explicar semelhante procedimento: declara-se que o plano governamental exige a
presença desse eminente cidadão a cinco mil milhas de distância do local onde
ele estava sendo ou poderia ser incômodo aos detentores do poder.
É verdade que a liberdade possível
numa economia de mercado não é uma liberdade perfeita no sentido metafísico.
Mas a liberdade perfeita não existe. É só no âmbito da sociedade que a liberdade tem
algum significado. Os pensadores que desenvolveram, no século XVIII, a ideia da “lei natural” – sobretudo
Jean-Jacques Rousseau – acreditavam que um dia, num passado remoto, os homens
haviam desfrutado de algo chamado liberdade “natural”. Mas nesses tempos
remotos os homens não eram livres – estavam à mercê de todos os que fossem mais
fortes que eles mesmos. As famosas palavras de Rousseau: “O homem nasceu livre
e se encontra acorrentado em toda parte”, talvez soem bem, mas na verdade o
homem não nasceu livre. Nasceu como uma frágil criança de peito. Sem a proteção
dos pais, sem a proteção proporcionada a esses pais pela sociedade, não teria
podido sobreviver.
Liberdade na sociedade significa
que um homem depende tanto dos demais como estes dependem dele. A sociedade, quando regida pela economia de
mercado, pelas condições da economia livre, apresenta uma situação em que todos
prestam serviços aos seus concidadãos e são, em contrapartida, por eles
servidos. Acredita-se, que existem na economia de mercado chefões que
não dependem da boa vontade e do apoio dos demais cidadãos. Os capitães de
indústria, os homens de negócios, os empresários seriam os verdadeiros chefões
do sistema econômico. Mas isso é uma ilusão. Quem manda no sistema econômico
são os consumidores. Se estes deixam de prestigiar um ramo de atividades, os
empresários deste ramo são compelidos ou a abandonar sua eminente posição no
sistema econômico, ou a ajustar suas ações aos desejos e às ordens dos
consumidores.
Uma das mais
notórias divulgadoras do comunismo foi Beatrice Potter, nome de solteira de
Lady Passfield (tambem muito conhecida por conta de seu marido Sidney Webb).
Essa senhora, filha de um rico empresário, trabalhou quando jovem como
secretária do pai. Em suas memórias, ela escreve: “Nos negócios de meu pai,
todos tinham de obedecer às ordens dadas por ele, o chefe. Só a ele competia
dar ordens, e a ele ninguém dava ordem alguma.” Esta é uma visão muito
acanhada. Seu pai recebia ordens: dos consumidores, dos compradores.
Lamentavelmente, ela não foi capaz de perceber essas ordens; não foi capaz de
perceber o que ocorre numa economia de mercado, exclusivamente voltada que
estava para as ordens expedidas dentro dos escritórios ou da fábrica do pai.
O Direito de ser Tolo
O
fato é que, no sistema capitalista, os chefes, em última instância, são os
consumidores. Não é o estado,
é o povo que é soberano. Prova disto é o fato de que lhe assiste, ao povo,
o direito de ser tolo em um sistema de livre mercado. Este é o privilégio do
soberano em um Estado forte e concentrado e não do povo, ou seja, assiste-lhe o
direito de cometer erros: ninguém o pode impedir de cometê-los, embora,
obviamente, deva pagar por eles.
Quando afirmamos que o consumidor é
supremo ou soberano, não estamos afirmando que está livre de erros que sempre
sabe o que melhor lhe conviria. Muitas
vezes os consumidores compram ou consomem artigos que não deviam comprar ou
consumir. Mas a ideia de que uma forma capitalista de governo pode impedir,
através de um controle sobre o que as pessoas consomem, que elas se
prejudiquem, é falsa. A visão do governo como uma autoridade paternal, um
guardião de todos, é própria dos adeptos do socialismo.
Nos Estados Unidos, o governo
empreendeu certa feita, há alguns anos, uma experiência que foi qualificada de
“nobre”. Essa “nobre experiência” consistiu numa lei que declarava ilegal o
consumo de bebidas tóxicas. Não há dúvida de que muita gente se prejudica ao
beber conhaque e whisky em excesso. Algumas autoridades nos Estados Unidos são
contrárias até mesmo ao fumo. Certamente há muitas pessoas que fumam demais,
não obstante o fato de que não fumar seria melhor para elas. Isso suscita um
problema que transcende em muito a discussão econômica: põe a nu o verdadeiro
significado da liberdade. Se admitirmos que é bom impedir que as pessoas se
prejudiquem bebendo ou fumando em excesso, haverá quem pergunte: “Será que o
corpo é tudo? Não seria a mente do homem muito mais importante? Não seria a
mente do homem o verdadeiro dom, o verdadeiro predicado humano?” Se dermos ao
governo o direito de determinar o que o corpo humano deve consumir, de
determinar se alguém deve ou não fumar, deve ou não beber, nada poderemos
replicar a quem afirme: “Mais importante ainda que o corpo é a mente, é a alma,
e o homem se prejudica muito mais ao ler maus livros, ouvir música ruim e assistir
a maus filmes. É, pois, dever do governo impedir que se cometam esses erros.”
E, como todos sabem, por centenas de anos os governos e as autoridades
acreditaram que esse era de fato o seu dever. Nem isso aconteceu apenas em
épocas remotas. Não faz muito tempo, houve na Alemanha um governo que
considerava seu dever discriminar as boas e as más pinturas – boas e más, é
claro, do ponto de vista de um homem que, na juventude, fora reprovado no exame
de admissão à Academia de Arte, em Viena: era o bom e o mau segundo a ótica de
um pintor de cartão-postal. E tornou-se ilegal expressar concepções sobre arte
e pintura que divergissem daquelas do Führer supremo.
Mas ninguém deve tentar policiar os outros no
intuito de impedi-los de fazer determinadas coisas simplesmente porque não se
quer que as pessoas tenham a liberdade de fazê-las. A partir do momento em que
começamos a admitir que é dever do governo controlar o consumo de álcool do
cidadão, que podemos responder a quem afirme ser o controle dos livros e das
ideias muito mais importante?
Liberdade significa realmente
liberdade para errar. Isso precisa ser bem compreendido. Podemos ser extremamente críticos com relação ao modo como nossos
concidadãos gastam seu dinheiro e vivem sua vida. Podemos considerar o que
fazem absolutamente insensato e mau. Numa sociedade livre, todos têm, no
entanto, as mais diversas maneiras de manifestar suas opiniões sobre como seus
concidadãos deveriam mudar seu modo de vida: eles podem escrever livros;
escrever artigos; fazer conferências. Podem até fazer pregações nas esquinas,
se quiserem – e faz-se isso, em muitos países.
É essa a diferença
entre escravidão e liberdade. O escravo é obrigado a fazer o que seu superior
lhe ordena que faça, enquanto o cidadão livre – e é isso que significa
liberdade – tem a possibilidade de escolher seu próprio modo de vida. Lembre-se aqui, como já vimos
anteriormente, essas ideias é sempre partindo da ideia de indivíduos como fim
em si mesmo, indivíduos dispondo de suas próprias vida, de modo algum aqui se
fala em indivíduos prejudicando a vida de outrem.
Mobilidade Social
Que significa isso? Quando Karl
Marx – no primeiro capítulo do Manifesto Comunista, esse pequeno panfleto que
inaugurou seu movimento socialista – sustentou a existência de um conflito
inconciliável entre as classes, só pode evocar, como ilustração à sua tese,
exemplos tomados das condições da sociedade pré-capitalista. Nos estágios
pré-capitalistas, a sociedade se dividia em grupos hereditários de status, na
Índia denominados “castas”. Numa sociedade de status, um homem não nascia, por
exemplo, cidadão francês; nascia na condição de membro da aristocracia
francesa, ou da burguesia francesa, ou do campesinato francês. Durante a maior
parte da Idade Média, era simplesmente um servo. E a servidão, na França, ainda
não havia sido inteiramente extinta mesmo depois da Revolução Americana. Em
outras regiões da Europa, a sua extinção ocorreu ainda mais tarde. Mas a pior
forma de servidão – forma que continuou existindo mesmo depois da abolição da
escravatura – era a que tinha lugar nas colônias inglesas. O indivíduo herdava
seu status dos país e o conservava por
toda a vida. Transferia-o aos filhos. Cada grupo tinha privilégios e
desvantagens. Os de status mais elevado tinham apenas privilégios, os de status
inferior, só desvantagens. E não restava ao homem nenhum outro meio de escapar
às desvantagens legais impostas por seu status senão a luta política contra as
outras classes. Nessas condições, pode-se dizer que havia “um conflito
inconciliável de interesses entre senhores de escravos e escravos”, porque o
interesse dos escravos era livrar-se da escravidão, da qualidade de escravos. E
sua liberdade significava, para os seus proprietários, uma perda. Assim
sendo, não há dúvida de que tinha de existir forçosamente um conflito
inconciliável de interesses entre os membros das várias classes.
É
difícil avaliar o quanto essa situação era diversa da atual. Se venho dos
Estados Unidos para a Argentina e vejo um homem na rua, não posso dizer qual é
seu status. Concluo apenas que é um cidadão argentino, não pertencente a nenhum
grupo sujeito a restrições legais. Isto é algo que o capitalismo nos trouxe.
Sem dúvida há também diferenças entre as pessoas no capitalismo. Há diferenças
em relação à riqueza; diferenças estas que os marxistas, equivocadamente,
consideram equivalentes àquelas antigas que separavam os homens na sociedade de
status.
Numa sociedade capitalista, as
diferenças entre os cidadãos não são como as que se verificam numa sociedade de
status. Na Idade Média – e mesmo bem depois, em muitos países – uma família
podia ser aristocrata e possuidora de grande fortuna, podia ser uma família de
duques, ao longo de séculos e séculos, fossem quais fossem suas qualidades,
talentos, caráter ou moralidade. Já nas
modernas condições capitalistas, verifica-se o que foi tecnicamente denominado
pelos sociólogos de “mobilidade social”. O princípio segundo o qual a
mobilidade social opera, nas palavras do sociólogo e economista italiano
Vilfredo Pareto, é o da “circulation des élites” (“circulação das elites”).
Isso significa que haverá sempre no topo da escada social pessoas ricas,
politicamente importantes, mas essas pessoas – essas elites – estão em contínua
mudança. Isto se aplica perfeitamente a uma sociedade capitalista. Não se
aplicaria a uma sociedade pré-capitalista de status. As famílias consideradas as grandes famílias aristocráticas da Europa
permanecem as mesmas até hoje, ou melhor, são formadas hoje pelos descendentes
de famílias que constituíam a nata na Europa, há oito, dez ou mais séculos. Os
Capetos de Bourbon – que por um longo período dominaram a Argentina – já eram
uma casa real desde o século X. Reinavam sobre o território hoje chamado
Ile-de-France, ampliando seu reino a cada geração. Mas numa sociedade
capitalista há uma continua mobilidade – pobres que enriquecem e descendentes
de gente rica que perdem a fortuna e se tornam pobres.Vi numa livraria de
uma rua do centro de Buenos Aires, a biografia de um homem que viveu na Europa
do século XIX, e que foi tão eminente, tão importante, tão representativo dos
altos negócios europeus naquela época, que até hoje, aqui neste país tão
distante da Europa, encontram-se à venda exemplares da história de sua vida.
Tive a oportunidade de conhecer o neto desse homem. Tem o mesmo nome do avô e
conserva o direito de usar o título nobiliário que este – que começou a vida
como ferreiro – recebeu oitenta anos atrás. Hoje esse seu neto é um fotógrafo
pobre na cidade de Nova York. Outras pessoas, pobres à época em que o avô desse
fotógrafo se tornou um dos maiores industriais da Europa, são hoje capitães de
indústria. Todos são livres para mudar seu status, é isso que distingue o
sistema de status do sistema capitalista de liberdade econômica, em que as
pessoas só podem culpar a si mesmas se não chegam a alcançar a posição que
almejam.
O mais famoso industrial do século
XX continua sendo Henry Ford. Ele começou com umas poucas centenas de dólares
emprestados por amigos e, em muito pouco tempo, implantou um dos mais
importantes empreendimentos de grande vulto do mundo. E podemos encontrar centenas
de casos semelhantes todos os dias. Diariamente o New York Times publica longas
notas sobre pessoas que faleceram. Lendo essas biografias, podemos deparar, por
exemplo, com o nome de um eminente empresário que tenha iniciado a vida como
vendedor de jornais nas esquinas de Nova York. Ou com outro que tenha iniciado
como contínuo e, por ocasião de sua morte, era o presidente da mesma
instituição bancária onde começara no mais baixo degrau da hierarquia.
Evidentemente, nem todos conseguem alcançar tais posições. Nem todos querem
alcançá-las. Há pessoas mais interessadas em outras coisas: para elas, no
entanto, há hoje certos caminhos que não estavam abertos nos tempos da
sociedade feudal, na época da sociedade de status.
O
sistema socialista, contudo, proíbe essa liberdade fundamental que é a escolha
da própria carreira. Nas condições socialistas há uma única autoridade
econômica, e esta detém o poder de determinar todas as questões atinentes à
produção. Um dos traços característicos de nossos dias é o uso de muitos
nomes para designar uma mesma coisa. Um
sinônimo de socialismo e comunismo é “planejamento”. Quando falam de
“planejamento”, as pessoas se referem, evidentemente, a um planejamento
central, o que significa um plano único, feito pelo governo – um plano que
impede todo planejamento feito por outra pessoa.
Na verdade, a escolha está entre o
planejamento total feito por uma autoridade governamental central e a liberdade
de cada indivíduo para traçar os próprios planos, fazer o próprio planejamento.
O indivíduo planeja sua vida todos os
dias, alterando seus planos diários sempre que queira. O homem livre planeja
diariamente, segundo suas necessidades. Dizia, ontem, por exemplo: “Planejo
trabalhar pelo resto dos meus dias em Córdoba.” Agora, informado de que as
condições em Buenos Aires estão melhores, muda seus planos e diz: “Em vez de
trabalhar em Córdoba, quero ir para Buenos Aires.” É isso que significa
liberdade. Pode ser que ele esteja enganado, pode ser que essa ida para Buenos
Aires se revele um erro. Talvez as condições lhe tivessem sido mais propicias
em Córdoba, mas ele foi o autor dos próprios planos.
Submetido
ao planejamento governamental, o homem é como um soldado num exército. Não cabe
a um soldado o direito de escolher sua guarnição, a praça onde servirá.
Cabe-lhe cumprir ordens. E o sistema socialista – como o sabiam e admitiam Karl
Marx, Lenin e todos os líderes socialistas – consiste na transposição do
regi-me militar a todo o sistema de produção. Marx falou de “exércitos
industriais” e Lenin impôs “a organização de tudo – o correio, as manufaturas e
os demais ramos industriais – segundo o modelo do exército”. Portanto, no
sistema socialista, tudo depende da sabedoria, dos talentos e dos dons daqueles
que constituem a autoridade suprema. O que o ditador supremo – ou seu comitê –
não sabe, não é levado em conta.
Mas o conhecimento acumulado pela
humanidade em sua longa história não é algo que uma só pessoa possa deter. Acumulamos, ao longo dos séculos, um volume
tão incomensurável de conhecimentos científicos e tecnológicos, que se torna
humanamente impossível a um indivíduo o domínio de todo esse cabedal, por
extremamente bem-dotado que ele seja. Acresce que os homens são diferentes,
desiguais. E sempre o serão. Alguns são mais dotados em determinado aspecto,
menos em outro. E há os que têm o dom de descobrir novos caminhos, de mudar os
rumos do conhecimento.
Nas
sociedades capitalistas, o progresso tecnológico e econômico é promovido por
esses homens. Quando alguém tem uma ideia, procura encontrar algumas outras
pessoas argutas o suficiente para perceberem o valor de seu achado. Alguns
capitalistas que ousam perscrutar o futuro, que se dão conta das possíveis
consequências dessa ideia, começarão a pô-la em prática. Outros, a princípio, poderão
dizer: “são uns loucos”, mas deixarão de dizê-lo quando constatarem que o
empreendimento que qualificavam de absurdo ou loucura está florescendo, e que
toda gente está feliz por comprar seus produtos. No sistema marxista, por
outro lado, o corpo governamental supremo deve primeiro ser convencido do valor
de uma ideia antes que ela possa ser levada adiante. Isso pode ser algo muito
difícil, uma vez que o grupo detentor do comando – ou o ditador supremo em
pessoa – tem o poder de decidir. E se essas pessoas – por razões de indolência,
senilidade, falta de inteligência ou de instrução – forem incapazes de
compreender o significado da nova ideia, o novo projeto não será executado.
Podemos evocar exemplos da história
militar. Napoleão era indubitavelmente um gênio em questões militares; não
obstante, viu-se certa feita diante de um grave problema. Sua incapacidade para
resolvê-lo culminou na sua derrota e no subsequente exílio na solidão de Santa
Helena. O problema de Napoleão podia-se resumir a uma pergunta: “Como
conquistar a Inglaterra?”. Para fazê-lo, precisava de uma esquadra capaz de
cruzar o canal da Mancha. Houve, então, pessoas que lhe garantiram conhecer um
meio seguro de levar a cabo aquela travessia; estas pessoas, numa época de
embarcações a vela, traziam a nova ideia de barcos movidos a vapor. Mas
Napoleão não compreendeu sua proposta.
Muitos pintores, poetas, escritores
e compositores já se queixaram de que o público não reconhecia sua obra, o que
os obrigava a permanecerem na pobreza. Não há dúvida de que o público pode ter
julgado mal; mas, quando promulgam que “o governo deve subsidiar os grandes
artistas, pintores e escritores”, esses artistas estão completamente errados. A
quem deveria o governo confiar a tarefa de decidir se determinado estreante é
ou não, de fato, um grande pintor? Teria de se valer da apreciação dos críticos
e dos professores de história da arte, que, sempre voltados para o passado, até
hoje deram raras mostras de talento no que tange à descoberta de novos gênios.
Essa é a grande diferença entre um sistema de “planejamento” e um sistema em
que é dado a cada um planejar e agir por conta própria.
É
verdade, obviamente, que grandes pintores e grandes escritores suportaram,
muitas vezes, situações de extrema penúria. Podem ter tido êxito em sua arte,
mas nem sempre em ganhar dinheiro. Van Gogh foi por certo um grande pintor.
Teve de sofrer agruras insuportáveis e acabou por se suicidar, aos 37 anos de
idade. Em toda a sua existência, vendeu apenas uma tela, comprada por um primo.
Afora essa única venda, viveu do dinheiro do irmão, que, apesar de não ser
artista nem pintor, compreendia as necessidades de um pintor. Hoje, não se
compra um Van Gogh por menos de cem ou duzentos mil dólares.
No
sistema socialista, o destino de Van Gogh poderia ter sido diverso. Algum
funcionário do governo teria perguntado a alguns pintores famosos (a quem Van
Gogh seguramente nem sequer teria considerado artistas) se aquele jovem, um
tanto louco, ou completamente louco, era de fato um pintor que valesse a pena
subsidiar. E com toda certeza eles teriam respondido: “Não, não é um pintor;
não é um artista; não passa de uma criatura que desperdiça tinta”, e o teriam
enviado a trabalhar numa indústria de laticínios, ou para um hospício. Todo esse
entusiasmo pelo socialismo manifestado pelas novas gerações de pintores,
poetas, músicos, jornalistas, atores, baseia-se, portanto, numa ilusão.
O
Calculo Financeiro.
No instante mesmo em que se abolir
o mercado – e é o que os socialistas gostariam de fazer – ficariam inutilizados
todos os cômputos e cálculos feitos pelos engenheiros e tecnólogos. Os tecnólogos podem continuar fornecendo
grande número de projetos que, do ponto de vista das ciências naturais, podem
ser todos igualmente exequíveis, mas são os cálculos baseados no mercado –
realizados pelo homem de negócios – que são indispensáveis para se determinar
qual desses projetos é o mais vantajoso do ponto de vista econômico. Confrontados
com esse novo problema, os teóricos do socialismo, sem resposta, acabaram por
concluir: “não aboliremos o mercado por completo; faremos de conta que existe
um mercado, como as crianças, quando brincam de escolinha.” A questão é que,
todos sabem, as crianças quando brincam de escolinha não aprendem coisa alguma.
É só uma brincadeira, uma simulação, e se pode “simular” muitas coisas.
“E a Rússia? Como enfrentam os
russos esse problema?” Nesse caso, a questão muda de figura. Os russos gerem seu sistema socialista no
âmbito de um mundo em que existem preços para todos os fatores de produção,
para todas as matérias-primas, para tudo. Por conseguinte, podem utilizar, em
seu planejamento, os preços do mercado mundial. E, visto que há certas
diferenças entre as condições reinantes na Rússia e as reinantes nos Estados
Unidos, frequentemente o resultado é que, para os russos, parece justificável e
aconselhável – de seu ponto de vista econômico – algo que, para os americanos,
absolutamente não se justificaria economicamente.
Capitalismo ou Socialismo?
O que se deveria afirmar – e seria
muito mais correto – é: “O socialismo na Rússia não ocasionou, em média, uma
melhoria das condições do homem comparável à melhoria de condições verificada,
no mesmo período, nos Estados Unidos.” Nos Estados Unidos, quase toda semana
tem-se notícia de um novo invento, de um aperfeiçoamento.
Muitos aperfeiçoamentos foram
gerados no mundo empresarial, porque milhares e milhares de industriais estão
empenhados, noite e dia, em descobrir algum novo produto que satisfaça o
consumidor, ou seja de produção menos dispendiosa, ou seja melhor e menos
oneroso que os produtos já existentes.
Não
é o altruísmo que os move; é seu desejo de ganhar dinheiro. E o efeito
foi que o padrão de vida se elevou, nos Estados Unidos, a níveis quase
miraculosos quando confrontados às condições reinantes há cinquenta ou cem anos
atrás.
Há mais uma coisa a ser mencionada.
O consumidor americano, o indivíduo, é tanto um comprador como um patrão. Ao
sair de uma loja nos Estados Unidos, é comum vermos um cartaz com os seguintes
dizeres: “Gratos pela preferência. Volte sempre”. Mas ao entrarmos numa loja de
um país totalitário – seja a Rússia, seja a Alemanha de Hitler –, o gerente nos
dirá: “Agradeça ao grande líder, que lhe está proporcionando isso.” Nos países
socialistas, ao invés de ser o vendedor, é o comprador que deve ficar
agradecido. Não é o cidadão quem manda; quem manda é o Comitê Central, o
Gabinete Central. Estes comitês, os líderes, os ditadores, são supremos; ao
povo cabe simplesmente obedecer-lhes.
O Intervecionismo.
Diz uma frase famosa, muito citada:
“O melhor governo é o que menos
governa”. Esta não me parece uma caracterização adequada das funções de um bom
governo. Compete a ele fazer todas as coisas para as quais ele é necessário e
para as quais foi instituído. T em o dever de proteger as pessoas dentro do
país contra as investidas violentas e fraudulentas de bandidos, bem como de
defender o país contra inimigos externos. São estas as funções do governo
num sistema livre, no sistema da economia de mercado.
Mas
na economia de mercado, a principal incumbência do governo é proteger o
funcionamento harmônico desta economia contra a fraude ou a violência
originadas dentro ou fora do país. Os que discordam desta definição
das funções do governo poderão dizer: “Este homem abomina o governo”. Nada
poderia estar mais longe da verdade. Se digo que a gasolina é um líquido de
grande serventia, útil para muitos propósitos, mas que, não obstante, eu não a
beberia, por não me parecer esse o uso próprio para o produto, não me converto
por isso num inimigo da gasolina, nem se poderia dizer que odeio a gasolina.
Digo apenas que ela é muito útil para determinados fins, mas inadequada para outros.
Se digo que é dever do governo prender assassinos e demais criminosos, mas que
não é seu dever abrir estradas ou gastar dinheiro em inutilidades, não quer
dizer que eu odeie o governo apenas por afirmar que ele está qualificado para
fazer determinadas coisas, mas não o está para outras.
Vamos analisar brevemente a ideia
de privatização e estatização sobre o prisma do déficit. Primeiramente é
preciso ter em mente que o governo pode administrar uma empresa com déficit, ou
seja, sem dar lucro mas sim prejuízos, explicaremos melhor como isso ocorre
adiante. Observe que, por outro lado a situação do indivíduo é bem diversa. Sua
capacidade de gerir um empreendimento deficitário é muito restrita. Se o
déficit não for logo eliminado, e se a empresa não se tomar lucrativa, o
indivíduo vai à falência e a empresa acaba. Já o governo goza de condições
diferentes. Pode ir em frente com um déficit, porque tem o poder de impor
tributos à população. E se os contribuintes se dispuserem a pagar impostos mais
elevados para permitir ao governo administrar uma empresa deficitária – isto é,
administrar com menos eficiência do que o faria uma instituição privada –, ou
seja, se o público tolerar esse prejuízo, então obviamente a empresa se manterá
em atividade. Na maioria dos países, procedeu-se à estatização de um número
crescente de instituições e empresas, a tal ponto que os déficits cresceram
muito além do montante possível de ser arrecadado dos cidadãos através de
impostos.
O intervencionismo revela um
governo desejoso de fazer mais. Quando falamos de intervencionismo, e definimos
o significado do termo, referimo-nos à interferência governamental no mercado.
(Que o governo e a polícia se encarreguem de proteger os cidadãos, e entre eles
os homens de negócio e, evidentemente, seus empregados, contra ataques de
bandidos nacionais ou do exterior, é efetivamente uma expectativa normal e
necessária, algo a se esperar de qualquer governo. Essa proteção não constitui
uma intervenção, pois a única função legítima do governo é, precisamente,
produzir segurança.) Quando falamos de intervencionismo, referimo-nos ao desejo
que experimenta o governo de fazer mais que impedir assaltos e fraudes. O
intervencionismo significa que o governo não somente fracassa em proteger o
funcionamento harmonioso da economia de mercado, como também interfere em
vários fenômenos de mercado: interfere nos preços, nos padrões salariais, nas
taxas de juro e de lucro.
O
governo quer interferir com a finalidade de obrigar os homens de negócio a
conduzir suas atividades de maneira diversa da que escolheriam caso tivessem de
obedecer apenas aos consumidores. Assim, todas as medidas de intervencionismo governamental têm por
objetivo restringir a supremacia do consumidor. O governo quer arrogar
a si mesmo o poder – ou pelo menos parte do poder – que, na economia de mercado
livre, pertence aos consumidores. Consideremos um exemplo de intervencionismo
bastante conhecido em muitos países e experimentado, vezes sem conta, por
inúmeros governos, especialmente em tempos de inflação. Refiro-me ao controle
de preços. Em geral, os governos
recorrem ao controle de preços depois de terem inflacionado a oferta de moeda e
de a população ter começado a se queixar do decorrente aumento dos preços.
Analisemos agora as razões desse fracasso. O
governo ouve as queixas do povo de que o preço do leite subiu. E o leite é, sem
dúvida, muito importante, sobretudo para a geração em crescimento, para as
crianças. Por conseguinte, estabelece um preço máximo para esse produto, preço
máximo que é inferior ao que seria o preço potencial de mercado. Então o
governo diz: “Estamos certos de que fizemos tudo o que era preciso para
permitir aos pobres a compra de todo o leite de que necessitam para alimentar
os filhos”.
Mas
que acontece? Por um lado, o menor preço do leite provoca o aumento da demanda
do produto; pessoas que não tinham meios de comprá-lo a um preço mais alto,
podem agora fazê-lo ao preço reduzido por decreto oficial. Por outro lado,
parte dos produtores de leite, aqueles que estão produzindo a custos mais
elevados – isto é, os produtores marginais – começam a sofrer prejuízos, visto
que o preço decretado pelo governo é inferior aos custos do produto. Este é o
ponto crucial na economia de mercado. O empresário privado, o produtor privado,
não pode sofrer prejuízo no cômputo final de suas atividades. E como não pode
ter prejuízos com o leite, restringe a venda deste produto para o mercado. Pode
vender algumas de suas vacas para o matadouro; pode também, em vez de leite,
fabricar e vender derivados do produto, como coalhada, manteiga ou queijo. A
interferência do governo no preço do leite redunda, pois, em menor quantidade
do produto do que a que havia antes, redução que é concomitante a uma ampliação
da demanda.
Algumas pessoas dispostas a pagar o
preço decretado pelo governo não conseguirão comprar leite. Outro efeito é a
precipitação de pessoas ansiosas por chegarem em primeiro lugar às lojas. São
obrigadas a esperar do lado de fora. As longas filas diante das lojas parecem
sempre um fenômeno corriqueiro numa cidade em que o governo tenha decretado
preços máximos para as mercadorias que lhe pareciam importantes.
Foi o que se passou em todos os
lugares onde o preço do leite foi controlado. Por outro lado, isso foi sempre
prognosticado pelos economistas – obviamente apenas pelos economistas sensatos,
que, aliás, não são muito numerosos. Mas qual é a consequência do controle
governamental de preços? O governo se frustra. Pretendia aumentar a satisfação
dos consumidores de leite, mas na verdade, descontentou-os. Antes de sua
interferência, o leite era caro, mas era possível comprá-lo. Agora a quantidade disponível é
insuficiente. Com isso, o consumo total se reduz. As crianças passam a tomar
menos leite, e chegam a não mais tomá-lo. A medida a que o governo recorre em
seguida é o racionamento. Mas racionamento significa tão somente que algumas
pessoas são privilegiadas e conseguem obter leite, enquanto outras ficam sem
nenhum. Quem obtém e quem não obtém é obviamente algo sempre determinado de
forma muito arbitrária. Pode ser estipulado, por exemplo, que crianças com
menos de quatro anos de idade devem tomar leite, e aquelas com mais de quatro,
ou entre quatro e seis, devem receber apenas a metade da ração a que as menores
fazem jus.
Faça o governo o que fizer,
permanece o fato de que só há disponível uma menor quantidade de leite.
Consequentemente, a população está ainda mais insatisfeita que antes. O governo
pergunta, então, aos produtores de leite (porque não tem imaginação suficiente
para descobrir por si mesmo): “Por que não produzem a mesma quantidade que
antes?”. Obtém a resposta: “É impossível, uma vez que os custos de produção são
superiores ao preço máximo fixado pelo governo”. As autoridades se põem em seguida a estudar os custos dos vários fatores
de produção, vindo a descobrir que um deles é a ração. “Pois bem”, diz o
governo, “o mesmo controle que impusemos ao leite, vamos aplicar agora à ração.
Determinaremos um preço máximo para ela e os produtores de leite poderão
alimentar seu gado a preços mais baixos, com menor dispêndio. Com isto, tudo se
resolverá: os produtores de leite terão condições de produzir em maior
quantidade e venderão mais.” Que acontece nesse caso? Repete-se, com a ração, a
mesma história acontecida com o leite, e, como é fácil depreender, pelas
mesmíssimas razões. A produção de ração diminui e as autoridades se veem
novamente diante de um dilema.
O governo considerava esses artigos
tão importantes que interferiu; queria torná-los mais abundantes, ampliar sua
oferta. O resultado foi o contrário: a interferência isolada deu origem a uma
situação que – do ponto de vista do governo – é ainda mais indesejável que a
anterior, que se pretendia alterar. E o governo acabará por chegar a um ponto
em que todos os preços, padrões salariais, taxas de juro, em suma, tudo o que
compõe o conjunto do sistema econômico, é determinado por ele. E isso,
obviamente, é socialismo.
O Intervencionismo Na Alemanha Nazista
Antes da ascensão de Hitler ao
poder, o controle de preços foi mais uma vez introduzido na Alemanha pelo
chanceler Brüning, pelas razões de costume. O próprio Hitler aplicou-o antes
mesmo do início da guerra: na Alemanha
de Hitler não havia empresa privada ou iniciativa privada. Na Alemanha de
Hitler havia um sistema de socialismo que só diferia do sistema russo na medida
em que ainda eram mantidos a terminologia e os rótulos do sistema de livre
economia. Ainda existiam “empresas privadas”, como eram denominadas. Mas o
proprietário já não era um empresário; chamavam-no “gerente” ou “chefe” de
negócios (Betriebsführer).
Todo o país foi organizado numa
hierarquia de führers; havia o Führer supremo, obviamente Hitler, e em seguida
uma longa sucessão de führers, em ordem decrescente, até os führers do último
escalão. E, assim, o dirigente de uma empresa era o Betriebsführer. O conjunto
de seus empregados, os trabalhadores da empresa, era chamado por uma palavra
que, na Idade Média, designara o séquito de um senhor feudal: o Gefolgschaft. E
toda essa gente tinha de obedecer às ordens expedidas por uma instituição que
ostentava o nome assustadoramente longo de
Reichsführerwirtschaftsministerium (Ministério da Economia do Império), a cuja
frente estava o conhecido gorducho Goering, enfeitado de joias e medalhas. E
era desse corpo de ministros de nome tão comprido que emanavam todas as ordens
para todas as empresas: o que produzir, em que quantidade, onde comprar
matérias-primas e quanto pagar por elas, a quem vender os produtos e a que
preço. Os trabalhadores eram designados para determinadas fábricas e recebiam
salários decretados pelo governo. Todo o sistema econômico era agora regulado,
em seus mínimos detalhes, pelo governo.
O Betriebsführer não tinha o
direito de se apossar dos lucros; recebia o equivalente a um salário e, se
quisesse receber uma soma maior, diria, por exemplo: “Estou muito doente,
preciso me submeter a uma operação imediatamente, e isso custará quinhentos
marcos”. Nesse caso, era obrigado a consultar o führers do distrito (o
Gauführer ou Gauleiter), que o autorizaria – ou não – a fazer uma retirada
superior ao salário que lhe era destinado. Os preços já não eram preços, os
salários já não eram salários – não passavam de expressões quantitativas num
sistema de socialismo.
A Grã-Bretanha não foi conduzida ao
socialismo pelo governo do Partido Trabalhista, estabelecido em 1945. Ela se
tornou socialista durante a guerra, ao longo do governo que tinha à frente,
como primeiro-ministro, Sir Winston Churchill. O governo trabalhista
simplesmente manteve o sistema de socialismo já introduzido pelo governo de Sir
Winston Churchill. E isso a despeito da grande resistência do povo. As
estatizações efetuadas na Grã-Bretanha não tiveram grande significado. A
estatização do Banco da Inglaterra foi inócua visto que essa instituição
financeira já estava sob completo controle governamental. E o mesmo se deu com
a estatização das estradas de ferro e da indústria do aço. O “socialismo de
guerra”, como era chamado – denotando o sistema de intervencionismo implantando
passo a passo – já estatizara praticamente todo o sistema.
A diferença entre o sistema alemão
e o britânico não foi significativa, porquanto seus gestores tinham sido
designados pelo governo e, em ambos os casos, eram obrigados a cumprir as
ordens do governo em todos os detalhes. Como eu disse antes, o sistema dos
nazistas alemães conservou os rótulos e termos da economia capitalista de livre
mercado. Mas essas expressões adquiriram um significado muito diverso: já não
passavam agora de decretos governamentais.
Ao longo de séculos, manteve-se a
doutrina – afirmada e acatada por todos – de que um rei, um rei ungido, era o
mensageiro de Deus; era mais sábio que os seus súditos e possuía poderes
sobrenaturais. Até princípios do século XIX, pessoas que sofriam certas doenças
esperavam ser curadas pelo simples toque da mão do rei. Os médicos costumavam
ser mais eficazes: mesmo assim, permitiam aos seus pacientes experimentar o
rei. Essa doutrina da superioridade de um governo paternal e dos poderes
sobre-humanos dos reis hereditários extinguiu-se gradativamente – ou, pelo
menos, assim imaginávamos. Mas ela
ressurgiu. O professor alemão Werner Sombart (a quem conheci muito bem), homem
de renome mundial, foi doutor honoris causa de várias universidades e membro
honorário da American Economic Association. Esse professor escreveu um livro
que tem tradução para o inglês – publicada pela Princeton University Press –,
para o francês e provavelmente também para o espanhol. Ou melhor, espero que
tenha, para que todos possam conferir o que vou dizer. Nesse livro, publicado
não nas “trevas” da Idade Média, mas no nosso século, esse professor de
economia diz simplesmente o seguinte: “O Führer, nosso Führer” – refere-se, é
claro, a Hitler – “recebe instruções diretamente de Deus, o Führer do
universo”.
Já me referi antes a essa
hierarquia de führers e nela situei Hitler como o “Führer Supremo”. Mas, ao que
nos informa Werner Sombart, há um Führer em posição ainda mais elevada. Deus, o
Führer do universo. E Deus, escreve ele, transmite suas instruções dire-tamente
a Hitler. Naturalmente, o professor Sombart não deixou de acrescentar, com
muita modéstia: “não sabemos como Deus se comunica com o Führer. Mas o fato não
pode ser negado.”
Ora, se ficamos sabendo que semelhante
livro pôde ser publicado em alemão – a língua de um país outrora exaltado como
“a nação dos filósofos e dos poetas” –, e o vemos traduzido em inglês e
francês, já não nos espantará que mesmo um pequeno burocrata venha, um dia, a
se considerar mais sábio e melhor que os demais cidadãos, e deseje interferir
em tudo, ainda que ele não passe de um reles burocratazinho, em nada comparável
ao famoso professor Werner Sombart, membro honorário de tudo quanto é entidade.
Haveria um remédio contra tudo isso? Eu diria que sim. Há um remédio. E esse
remédio é a força dos cidadãos: cabe-lhes impedir a implantação de um regime
tão autoritário que se arrogue uma sabedoria superior à do cidadão comum. Esta
é a diferença fundamental entre a liberdade e a servidão.
Conclusão.
Com base em sua teoria do ciclo econômico, Mises previra uma depressão
numa época em que, na “nova Era” da década de 1920, os economistas, em sua
maioria, entre eles irving Fisher, proclamavam um futuro de prosperidade
ilimitada, assegurada pelas manipulações dos bancos centrais governamentais.
Quando a Grande Depressão se instalou, começou-se a manifestar vivo interesse
pela teoria misesiana do ciclo econômico, sobretudo na inglaterra. Esse
interesse foi incrementado pela migração para a London School of Economics do
eminente discípulo de Mises, Friedrich a. Hayek, cujo aperfeiçoamento da teoria
do ciclo econômico foi rapidamente traduzido para o inglês no princípio da década
de 1930.
Até Keynes, a ciência econômica constituíra um freio impopular ao fomento da
inflação e ao déficit orçamentário, mas agora, como Keynes, e armados com seu
jargão nebuloso, obscuro e quase matemático, os economistas podiam atirar-se a
uma popular e lucrativa aliança com políticos e governos ansioso por expandir
sua influência e poder. A economia keynesiana foi esplendidamente talhada para
servir de armadura intelectual para o moderno estado provedor-militarista
(welfare-warfare state), para o intervencionismo e o estatismo, em ampla e
poderosa escala.
No entanto, na cidade de nova Y ork, mesmo vivendo de pequenas subvenções
concedidas por fundações, Mises conseguiu publicar, em 1944, dois notáveis
livros escritos em inglês: Omnipotent
Government e Bureaucracy. O
primeiro mostrava que o regime nazista não era, como o pretendia a análise
marxista da moda, a “etapa mais elevada do capitalismo”, sendo, antes, uma
forma de socialismo totalitário. Bureaucracy apresentou uma análise, de vital
importância, da diferença decisiva entre a administração para o lucro e a
administração burocrática, demonstrando que as graves ineficiências da
burocracia eram, além de inerentes a qualquer atividade governamental,
inevitáveis.
Quando, há trinta e cinco anos atrás, procurei elaborar uma síntese das
ideias e princípios da filosofia social a que outrora chamavam liberalismo, não
alimentava vã esperança de que minha exposição evitaria a iminente catástrofe a
que as políticas adotadas pelas nações europeias manifestamente conduziam. Tudo
o que esperava era oferecer à pequena minoria das pessoas que pensam uma
oportunidade de aprender alguma coisa sobre os objetivos do liberalismo
clássico e sobre suas realizações, preparando, assim, o caminho para uma
ressurreição do espírito de liberdade depois da derrocada que se aproxima.
Misse, Ludwing.