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domingo, 29 de julho de 2012

Stuart Mill: Sobre seu corpo e mente o individuo é soberano.


O individuo e a liberdade 
Nascido em Londres, John Stuart Mill é filho de James Mill filósofo e historiador da Índia, considerado, ao lado de Jeremy Bentham, um dos fundadores do utilitarismo inglês. Desde a sua mais tenra infância, Mill se viu às voltas com os  projetos educacionais de seu pai, determinado a fazer do jovem Mill o  porta-voz da escola utilitarista para as novas gerações. Com o auxílio de seu amigo e vizinho Jeremy Bentham, James Mill colocou em prática um rígido plano pedagógico destinado a garantir o sucesso intelectual de seu filho. Assim é que, aos três anos, o pequeno Mill iniciou-se na leitura do grego. Aos oito, aprendeu latim e aos doze anos já havia estudado quase todas as obras do pensamento clássico. Nos anos subseqüentes, seus estudos foram orientados para os campos da história, psicologia, filosofia e lógica.

Stuart Mill nunca frequentou os bancos de uma universidade. Apesar disso, sua maturidade intelectual era patente já aos quinze anos de idade, quando se encarregou de revisar algumas obras jurídicas de Jeremy Bentham. Aos dezessete anos publicou seu primeiro artigo. Nesta mesma época, começou a trabalhar sob as ordens de seu pai nos escritórios da Companhia das Índias Orientais. Conquistava assim uma colocação capaz de lhe assegurar estabilidade financeira e o tempo necessário para suas atividades intelectuais.   

A popularidade de Mill como escritor político e seu interesse pelas questões políticas mais prementes de sua época levaram-no a participar mais diretamente da política. Em 1865, Stuart Mill foi eleito como representante por Westminster para o Parlamento. Entretanto, sua carreira política foi breve. Stuart Mill näo conseguiu se reeleger em 1868. Derrotado, Mill retirou-se para Avignon, na França, onde permaneceu até sua morte.

John Stuart Mill nasceu em 8 de maio de 1806 e faleceu a 16 de maio de 1873. Ao longo dos 67 anos de sua vida, Stuart Mill foi testemunha de mudanças fantásticas tanto na sociedade como na política e na economia de seu país, a Inglaterra. As raízes destas transformações datam da segunda metade do século XVIII, com o advento da Revolução Industrial.  Falando desta revolução, um conhecido historiador de nossos dias nos dá uma boa indicação de sua magnitude para a história da humanidade. Para Eric Hobsbawm, "nenhuma mudança na vida humana, desde a invenção da agricultura, da metalurgia e do surgimento das cidades no neolítico foi tão profunda como o advento da industrialização".

Stuart Mill não viveu os primeiros momentos desta revolução. Mas foi contemporâneo de seu apogeu, quando os trilhos das ferrovias inglesas se estendiam por todos os continentes, atravessando regiões onde antes nada havia passado. Foi esta a época em que se consolidou o mais vasto império de que se tem notícia na história: o Império Colonial Britânico, onde, dizia-se, o sol jamais se punha dentro de seus limites. Alguns dos resultados mais óbvios destas transformações são bem conhecidos: o surgimento da classe operária, da burguesia industrial e financeira e a universalização de uma economia de bases monetárias. Tudo junto concorrendo para a construção de uma nova ordem essencialmente moderna.

Tão importantes quanto estas transformações na economia e na sociedade inglesa daquela época foram as mudanças que se verificaram na política daquele país. Nesta dimensão, os resultados podem ser agrupados em dois grandes blocos: em primeiro lugar temos a constituição de um conjunto de instituições capazes de canalizar e dar voz à oposição, criando um sistema legítimo (por isso mesmo reconhecido por todas as partes) de contestação pública. Antes de avançar nestas considerações, é preciso deixar claro o que queremos dizer com a expressão "sistema de contestação pública". A existência de oposição é um fato inerente a todo e qualquer processo político. Tomado em sentido bem amplo, é através da política que toda sociedade enfrenta uma questão crucial: quais os critérios que irão presidir a alocação da riqueza e dos valores socialmente produzidos. Uma vez que esta riqueza e estes valores são finitos, a insatisfação é um resultado previsível em qualquer decisão política. Isto significa que o processo político sempre traz latente uma dose de competição que pode no máximo ser abafada, mas nunca eliminada. Pois bem, a "invenção" moderna está em criar mecanismos para absorver esta competição, institucionalizando procedimentos capazes de dar voz à insatisfação, ao mesmo tempo que neutralizam os componentes desagregadores presentes na atividade da oposição, tornando-a alternativa de governo. Diga-se, Stuart Mill foi um dos maiores defensores a dar voz, de modo que para ele, a competição e os diferentes interesses que se chocam na sociedade é fator crucial para o desenvolvimento.

Em segundo lugar, temos o alargamento das bases sociais do sistema político, com a incorporação de setores cada vez mais amplos da sociedade. Na Inglaterra do século passado, este último processo se realizou mediante a expansão da participação eleitoral. As grandes reformas eleitorais de 1832, 1867 e 1884 terminaram por universalizar o direito de voto pelo menos para a população masculina, ao mesmo tempo que aumentavam a representatividade da tradução dos resultados eleitorais em cadeiras no Parlamento. Um dos resultados mais visíveis disso foi a constituição de um sistema de partidos eleitorais de bases amplas e competitivo, em condições de canalizar a participação da população no sistema político.

As transformações que esquematizei acima não aconteceram todas à mesma época. A incorporação de mecanismos institucionais capazes de administrar o dissenso entre as elites politicas precedeu por quase um século a abertura desse sistema à participação popular .  Na época em que Stuart Mill viveu, boa parte dos esforços necessários para tornar efetivos os canais de competição politica já havia produzido os seus frutos. Ao tempo de Stuart Mill, a questão candente que desafiava a imaginação das elites politicas inglesas era a incorporação pacifica da massa de trabalhadores empobrecidos pela industrialização, e que tais batiam as portas do sistema politico.  Visto em retrospectiva, a solução encontrada para este problema assume uma aparência tradicionalista que encobre os imensos riscos que lhe eram inerentes e que não podem ser subestimados numa apreciação histórica. Como nos informa Eric Hobsbawm

“As possibilidades de uma revolução foram invulgarmente grandes. [...]. Nenhum governo britânico podia confiar, como todos os governos franceses, alemães ou americanos do século XIX, em mobilizar as forças políticas do campo contra a cidade, em arregimentar vastas massas camponesas e pequenos lojistas e outros pequenos burgueses contra uma minoria - muitas vezes dispersa e localizada - de proletários. (ou seja, mobilizar forças politicas de pessoas que não tinha relação com a industrialização, contra pessoas do proletariado, pessoas que faziam parte da industrialização, que no tempo ainda era uma minoria, incluídos ai empresários e trabalhadores). A primeira potência industrial do mundo foi também aquela em que a classe trabalhadora manual (não industrializada) era a mais numerosa.”

É este o pano de fundo que dá significado à trajetória da vida e da obra de John Stuart Mill, apontado como o mais legítimo representante do movimento liberal inglês do século passado. Em sua obra encontramos ecos de todas as fases por que passou este movimento desde o utilitarismo radical dos primeiros anos do século até a sua fase democrática, defensora do sufrágio universal e de reformas sociais.

Individuo e Liberdade.
A posição de Stuart Mill sobre estas questões tem raízes na concepção utilitarista defendida por Bentham e James Mill. Para estes dois autores, a realidade da economia de mercado constitui-se num paradigma teórico (praticidade) para a construção de seus modelos de sociedade e de indivíduo. Desta forma, a natureza humana parece-lhes essencialmente pragmática, sendo o homem é um maximizador do prazer e um minimizador do sofrimento. A sociedade é o agregado de consciências autocentradas e independentes, cada qual buscando realizar seus desejos e impulsos. O bem-estar pode ser calculado para qualquer homem subtraindo-se o montante de seu sofrimento do valor bruto de seu prazer. Prazer, dor, felicidade e ventura são aqui tomados em um sentido quantitativo radical. É possível assim se chegar a um cálculo da felicidade da sociedade, obtido através do somatório dos resultados destas operações para cada indivíduo. O bom governo será aquele capaz de garantir o maior volume de felicidade líquida para o maior número de cidadãos. Para cada ação ou questão política, é sempre possível aplicar este raciocínio para avaliar a "utilidade" de seus resultados.

Stuart Mill retém em sua obra o princípio básico do utilitarismo, que vê no bem-estar assegurado o critério último para a avaliação de qualquer governo ou sociedade. Entretanto, estabelece uma distinção fundamental que o levará a trilhar caminhos opostos daqueles advogados por seus mestres. Para Stuart Mill, a primeira dificuldade está em se tomar a felicidade como algo passível de mensuração puramente quantitativa. Na avaliação desta dimensão da natureza humana intervém um elemento qualitativo que lhe é intrínseco. É justamente esta a porta por onde Mill introduz uma alteração radical na concepção sobre a natureza do homem. O Homem é um ser capaz de desenvolver suas capacidades. E, ademais, faz parte de sua essência a necessidade deste desenvolvimento.

Dessa forma temos um modelo progressivo da natureza humana e um critério novo para a aferição de um bom governo: "O grau em que ele tende a aumentar a soma das boas qualidades dos governados, coletiva e individualmente", ou seja, a qualidade do bem estar tem que sempre ser aumentada e nunca diminuída, e ainda  inferindo para um maior número de pessoas. E aqui vai se fundi a utilidade da democracia e da liberdade. O governo democrático é melhor porque nele encontramos as condições que favorecem o desenvolvimento das capacidades de cada cidadão, de modo que ele sempre vai poder busca o melhor para ele em termo de qualidade e não apenas quantidade em relação ao Estado. Assim diz Mill:
    
“É um grande estímulo adicional à auto-independência e à auto-confiança de qualquer pessoa o fato de saber que está competindo em pé de igualdade com os outros, e que seu sucesso não depende da impressão que puder causar sobre os sentimentos e as disposições de um corpo do qual não faz parte. Ser deixado fora da Constituição é um grande desencorajamento para um indivíduo e ainda maior para uma classe. [...] O efeito revigorante da liberdade só atinge seu ponto máximo quando o indivíduo está, ou se encontra em vias de estar, de posse dos plenos privilégios de cidadão.”

Observe que Mill refere aqui, também, a importância de ter um representante no Parlamento de cada classe, para que essa se sinta em  pé de igualdade e não se sinta desencorajados a fazer o que lhe convem melhor para aumentar sua qualidade de vida, claro, respeitando o limites que outros indivíduos também possui. Foi justamente na defesa desta liberdade que Mill escreveu aquela que pode ser considerada sua obra maior: On liberty (Sobre a liberdade). O argumento central desta obra assenta-se numa proposição bastante simples, mas que até hoje não perdeu seu timbre de novidade. O elogio da diversidade e do conflito como forças matrizes por excelência da reforma e do desenvolvimento social.
   
Com a perspicácia que lhe é característica, Mill aponta para o fato de que uma sociedade livre, na medida mesmo em que propicia o choque das opiniões e o confronto das idéias e propostas, cria condições ímpares para que "a justiça e a verdade" subsistam. Desta forma, garante-se, através do conflito, o progresso e a auto-reforma da sociedade. Em sociedades não livres (como a chinesa, nos diria Mill), a reforma e o desenvolvimento social só podem aparecer como fruto do acaso ou de esforços intermitentes levados a cabo por déspotas mais ou menos esclarecidos. Para Mill, a liberdade não é um direito natural. Como utilitarista, ele recusa a teoria dos direitos naturais. Mas a liberdade também não é um luxo que interesse apenas a uma minoria esclarecida. É antes de mais nada o substrato necessário para o desenvolvimento de toda a humanidade. E o é principalmente porque ela torna possível a manifestação da diversidade, a qual, por sua vez, é o ingrediente necessário para se alcançar a verdade.
   
Na obra de Mill encontramos, portanto, a pré-história de duas noções muito caras à ciência política contemporânea: a defesa do pluralismo e da diversidade societal contra as interferências do Estado e da opinião pública (esta última, a tirania da "opinião prevalecente", a pior, porque mais sistemática e cotidiana); e a perspectiva de sistemas abertos, multipolares, onde a administração do dissenso predomine sobre a imposiçäo de consensos amplos.

Um novo liberalismo
Em um artigo recentemente publicado, Norberto Bobbio propôs que todo o problema político pode ser sempre abordado segundo duas perspectivas diametralmente opostas: a do príncipe, na ótica descendente, de quem vê a sociedade "de cima"; e a perspectiva popular, ascendente, de quem é alvo do poder. Sem dúvida, estas duas posições podem ser tomadas como extremos de um contínuo no qual poderiam ser ordenadas todas as obras de reflexão sobre a política.
   
A era moderna incorporou uma nova dimensão a esta primeira. Aquela que distingue uma concepção organicista do indivíduo e da sociedade da concepção individualista.

O ponto de partida da concepção organicista é a natureza social (e não apenas gregária) do homem.  Isto significa que, segundo esta visão, a natureza humana estaria condicionada pela forma com que o indivíduo se insere no agrupamento social, mais especificamente não existe o homem em geral (indivíduos), mas apenas homens social e historicamente determinados. Do ponto de vista analítico, o grupo social vem em primeiro lugar, e as ações humanas têm significado apenas na medida em que espelham características do grupo ou refletem relações entre os grupos.
   
A concepção individualista, num certo sentido, coloca o homem antes da sociedade e vê nesta última, principalmente na sua instância política, um elemento de artificialidade que não aparece na concepção organicista. Para esta perspectiva de análise, as ações humanas são auto-referenciadas e importam em si mesmas. Por isso, podemos dizer que esta concepção inverte a relação indivíduo-grupo, fazendo do último um reflexo do primeiro. O agregado social é, assim, o produto de uma espécie de soma vetorial das atividades, interesses e impulsos dos indivíduos que o compõem.
   
Historicamente, a concepção individualista nasceu em polêmica com a concepção organicista. Os argumentos válidos em favor de uma ou de outra são ponderáveis. Entretanto, não é este o local apropriado para o balanço deste debate. Para nós importa verificar que compondo as duas dimensões que apresentamos nos parágrafos anteriores podemos obter um modelo simples porém extremamente útil para a localização da obra de Stuart Mill.

Stuart Mill é por muitos considerado o grande representante do pensamento liberal democrático do século passado. Com Mill, o liberalismo despe-se de seu ranço conservador, defensor do voto censitário e da cidadania restrita, para incorporar em sua agenda todo um elenco de reformas que vão desde o voto universal até a emancipação da mulher. Na obra de Mill podemos acompanhar um esforço articulado e coerente para enquadrar e responder as demandas do movimento operário inglês. De certa forma, a obra de Mill pode ser tomada como um compromisso entre o pensamento liberal e os ideais democráticos do século XIX. O fundamento deste compromisso está no reconhecimento de que a participação política não é e não pode ser encarada como um privilégio de poucos. E está também na aceitação de que, nas condições modernas, o trato da coisa pública diz respeito a todos. Daí a preocupação de Mill em dotar o estado liberal de mecanismos capazes de institucionalizar esta participação ampliada.

Em Mill, não se trata apenas de acomodar-se ao inevitável. A incorporação dos segmentos populares é para ele a única via possível para salvar a liberdade inglesa de ser presa dos interesses egoístas da próspera classe média. O voto para Mill não é um direito natural. Antes, o voto é uma forma de poder, que deve ser estendido aos trabalhadores para que estes possam defender seus direitos e interesses no mais puro sentido que o liberalismo atribui a esta expressão. Nas palavras de Mill:

Não devem existir párias em uma sociedade adulta e civilizada. [...] As pessoas que, sem consulta prévia, se apoderam de poderes ilimitados sobre os destinos dos outros degradam os seus semelhantes. [...] É natural que os que são assim degradados não sejam tratados com a mesma justiça que os que dispõem de uma voz. Os governantes e as classes governantes tém a necessidade de levar em consideração os interesses e os desejos dos que exercem o direito de voto; mas os interesses e os desejos dos que não o exercem está a seu critério atendê-los ou não, e, por mais honestamente intencionados que sejam, geralmente estão ocupados demais com o que devem levar em consideração para terem tempo para se preocupar com o que podem negligenciar impunemente.
   
Entretanto precisamos nos acautelar para não vermos em Stuart Mill um pensador democrata radical. Para ele, a tirania da maioria é tão odiosa quanto a da minoria. Isto porque ambas levariam à elaboração de leis baseadas em interesses classistas. Um bom sistema representativo é aquele que não permite "que qualquer interesse seccional se torne forte o suficiente para prevalecer contra a verdade, a justiça e todos os outros interesses seccionais juntos".

Mill colocou o individuo, e não a sociedade, no centro de sua filosofia utilitarista. O importante é que os indivíduos sejam livres para pensar e agir como queiram, sem interferência, mesmo que seus atos os prejudiquem. Todo indivíduo, escreveu Mill no ensaio Sobre a liberdade, é “soberano sobre seu próprio corpo e sua própria mente.” Suas ideias deram corpo ao liberalismo vitoriano, abrandando as ideias radicais que tinha conduzido a revoluções na Europa e na América e combinando-as com a noção de individuo livre da interferência da autoridade. Essa, para Mill, era a base para a justa governança e para o progresso social, importantes ideais vitorianos. Ele acreditava que, se a sociedade deixasse o individuo viver da forma que o fizesse feliz, isso lhe permitiria atingir todo o seu potencial. O que beneficiaria toda a sociedade, já que as realizações dos talentos isolados contribuem para o bem geral.

Durante sua vida, Mill foi reconhecido como filosofo importante, hoje, muitos o consideram o arquiteto do liberalismo vitoriano. Sua filosofia de inspiração utilitarista teve influencia direta no pensamento social, politico, filosófico e econômico até o século XX. A economia moderna foi moldada por varias interpretações de sua aplicação, do utilitarismo ao mercado livre, especialmente pelo economista britânico John Maynard Keynes. No campo da ética, filósofos como Bertrand Russel, Karl Popper, William James e John Rawls tomaram Mill como ponto de partida. 

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